Novo parque no Atacama tem floração encantadora e semelhanças com Marte
Após a rara floração em áreas desérticas, o Parque Nacional Desierto Florido foi criado para salvaguardar cerca de 200 espécies de flores – e muitas outras maravilhas científicas – no Deserto do Atacama.
Um novo parque nacional no Chile protegerá 57 mil hectares de ecossistema de biodiversidade no Deserto do Atacama, onde uma rara superfloração colore um dos lugares mais estéreis do mundo com flores silvestres vermelhas, magenta e calêndula. A exibição impressionante de outubro passado, a primeira em cinco anos, inspirou o governo a formar o sexto parque nacional do norte do Chile, o Desierto Florido.
Esta paisagem do outro mundo oferece muitas maravilhas, além de uma impressionante flora.
O Atacama, o deserto não-polar mais seco do mundo, transborda com flores que brotam a cada três ou dez anos; insetos e aves dependem delas, e micro-organismos florescem no núcleo áspero e hiperárido do local. Muitos destes pequenos seres possuem pistas sobre a sobrevivência em uma Terra cada vez mais árida, bem como o potencial de vida além dela.
Uma aventura de cima para baixo no deserto proporciona a oportunidade de admirar e proteger estas espécies resistentes, além de ajudar na busca de vida extraterrestre por meio de um projeto de ciência cidadã.
Terra de extremos
O Atacama, com 965 km de extensão, está encravado entre o Oceano Pacífico e as montanhas dos Andes, que protegem o núcleo do deserto da precipitação. É quase 50 vezes mais seco que o Vale da Morte, na Califórnia (EUA), e algumas estações meteorológicas aqui ainda não registraram uma gota de chuva.
Nos últimos 40 anos, o Atacama viu cerca de 15 superflorações, de acordo com a Pontifícia Universidade Católica do Chile. O fenômeno ocorre tipicamente entre setembro e meados de novembro (a primavera do Hemisfério Sul). Muitas vezes, eles seguem o clima quente do El Niño; as chuvas fortes do inverno tiram a capa protetora das sementes adormecidas, o que leva ao seu desabrochar. A magnitude da floração de outubro surpreendeu os cientistas, já que ocorreu após temperaturas mais baixas do que o normal do La Niña.
O platô do Atacama tem um clima árido semelhante ao de Marte. Isto o torna um lugar ideal para os cientistas estudarem a possibilidade de vida em outros planetas.
FOTO DE NAFTALI HILGER LAIF, REDUX
Ainda temos muito a aprender sobre a superfloração do Chile. De acordo com um estudo de 2022 da instituição Frontiers in Ecology and Evolution, pouco se sabe sobre o processo eco-evolucionário que o deserto florido chileno desencadeia, como por exemplo, como as plantas evoluíram para garantir a polinização durante o raro e curto período de floração.
VEJA A RARA FLORAÇÃO NO ATACAMA:
O novo parque ficará próximo à costa norte do Chile, entre as cidades de Copiapó e Vallenar, diz Verónica Kunze, subsecretária de Turismo do governo chileno.
Além de suas flores, o parque dará aos viajantes a oportunidade de explorar a costa sul escarpada do Atacama, onde as águas azuis-azuladas brilham. Para os fãs da astronomia, os céus noturnos lustrosos do Atacama dão aos visitantes raras oportunidades de espreitar a galáxia. “Desde que você vá para lugares remotos, como o Parque Nacional Desierto Florido, você terá uma visão fantástica das estrelas”, diz Timothy Dhalleine, gerente de engajamento de convidados da Cascada Travel, uma empresa chilena de aventura.
Uma ligação entre a Terra e Marte
Embora a preservação destas florações seja importante para os ecossistemas da região, a microbiologista chilena Cristina Dorador diz que as proteções devem se estender às espécies críticas que não podemos ver: os micro-organismos.
No árido deserto do norte, os micro-organismos prosperam. Eles se aninham dentro das rochas e sobrevivem de minúsculas gotículas de água provenientes da neblina da noite. “É um microhabitat; há todo um ecossistema dentro de uma rocha”, diz Dorador. Estas adaptações microscópicas podem nos ensinar muito, inclusive lições sobre a vida no planeta vermelho.
Um observador de estrelas aponta para as constelações Scorpius e Sagitário, no Observatório Cerro Paranal, no Deserto do Atacama.
FOTO DE BABAK TAFRESHI NAT GEO IMAGE COLLECTION
As salinas e os vales escarpados do núcleo do Atacama não parecem apenas cenários marcianos; de certa forma, eles são. “A química do solo é bastante semelhante”, diz Dorador. É por isso que os astrobiólogos pesquisam as espécies altamente adaptáveis do Atacama para entender se a vida poderia existir em outro lugar do universo.
“No Atacama, você pode estudar o extremo ao qual a vida terrestre pode se adaptar em termos de gestão da água”, diz Michael Meyer, cientista líder do programa de Exploração de Marte da Nasa. A compreensão das formas microscópicas de vida do Atacama ajudou a Nasa a decidir para onde enviar sondas e veículos de exploração espacial, incluindo o desembarque de Perseverance 2021 na cratera de Jezero, outrora um antigo delta de rio. “Sabemos que a água esteve lá em tempos passados”, diz Meyer.
Os estudos do planeta vermelho e do Atacama nos ajudam a fazer mais do que prever a vida no cosmos. “Compreender a vida em um ambiente desértico nos permite preparar-nos para o futuro”, diz Rodrigo Gutiérrez, um biólogo de sistemas que estuda os mecanismos de sobrevivência de micro-organismos e plantas no deserto.
Com a Terra se tornando cada vez mais seca – e mais de uma centena de países enfrentando a desertificação –, Gutiérrez espera encontrar estratégias de sobrevivência de culturas no Atacama. Ele e um grupo de cientistas analisaram dezenas de espécies de plantas no núcleo do deserto, incluindo aquelas semelhantes às leguminosas, para entender como a flora sobrevive.
Protegendo a flora e fauna do deserto
A maior parte das áreas protegidas do Chile está na Patagônia, incluindo os 4 milhões de hectares recentemente acrescentados para criar o Parque Nacional da Patagônia, em 2018.
O Parque Nacional Desierto Florido protegerá cerca de 200 espécies de flores, incluindo superflorescências endêmicas, tais como a añañucas em forma de estrela, mariposas, e a malva-amarela mostrada aqui.
FOTO DE VICTOR AUVELEZ XINHUA, REDUX
O Atacama desfruta apenas de uma fração desta proteção – tanto do governo quanto, segundo Dorador, das organizações internacionais de conservação. “As pessoas têm esta visão de que no deserto não há nada a proteger”.
Mas um novo governo chileno e um recente empurrão para a proteção do norte do Chile dão esperança aos conservacionistas do Atacama.
Segundo Kunze, o Conselho de Ministros para a Sustentabilidade já aprovou três áreas protegidas adicionais ao norte, incluindo o Santuário da Natureza Oásis de Niebla Punta Gruesa, de Iquique, projetado para proteger a espécie ameaçada de cacto copao de Iquique, no Atacama. As outras duas ficarão na região de Coquimbo, logo ao sul do deserto, onde também guardarão as espécies em risco.
“Quando falamos de biodiversidade, as pessoas pensam na Amazônia ou em áreas verdes. Elas são, é claro, importantes”, diz Dorador. “Mas também temos que pensar nos desertos”. Este tipo de vida está mostrando outra forma de evolução na Terra”.
O QUE CONHECER
A Rockiology é uma iniciativa da Universidade Johns Hopkins (EUA), que pede aos desertores que encontrem e compartilhem amostras específicas de rochas (aquelas que poderiam conter micro-organismos) através dos desertos áridos e hiperáridos da Terra.
O Observatório Paranal é uma instalação astronômica internacional que utiliza antenas de alta precisão para o avanço do conhecimento científico do universo. Ele está aberto ao público aos sábados por reserva.
Stephanie Vermillion é jornalista de viagem, cineasta e fotógrafa. Siga suas aventuras no Twitter e no Instagram.