Exagero midiático à parte, a conclusão central da nota técnica do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) que embasou a reclassificação da área nordestina confirma informações produzidas por diferentes estudos, com metodologias distintas, em anos recentes. A maior parte do território nacional, com exceção da região Sul e de setores litorâneos do Sudeste, está ficando menos úmida.
A tendência dominante indica que os lugares secos do Brasil (e do mundo) estão se tornando ainda mais secos e os úmidos menos úmidos. No Brasil, a clara exceção a esse movimento são os três estados do Sul, hoje úmidos e que devem permanecer assim no futuro. Essa propensão a um clima menos úmido vale inclusive para parte da Amazônia, o bioma com maior estoque de água no país, onde o desmatamento progressivo da floresta e as mudanças climáticas contribuem para tornar o ambiente mais quente e com períodos de estiagem prolongada.
“Há um aumento significativo da demanda atmosférica por água. Isso está levando o Nordeste e boa parte do país a uma condição de maior secura”, diz o engenheiro de recursos hídricos Javier Tomasella, do Inpe, um dos autores do estudo sobre o avanço da aridez. “A evapotranspiração se intensifica porque a temperatura está subindo no país em razão do aquecimento global.”
Desde 1960, a área do semiárido cresce e hoje abrange cerca de 800 mil km2, 9,4% do território nacional
A culpa da secura crescente, portanto, não se deve apenas – ou principalmente – à falta ou irregularidade de chuvas, mas sobretudo ao incremento da evaporação de água do solo e da transpiração das plantas, processo denominado evapotranspiração. “Desde que haja água no solo e sua capacidade de fazer fotossíntese não seja um impeditivo, a vegetação de superfície utiliza a energia da radiação absorvida para perder umidade em vez de usá-la para aquecer o ambiente. Essa é uma forma de limitar o aquecimento da baixa atmosfera, como um mecanismo de termorregulação”, comenta o especialista em hidroclimatologia Humberto Ribeiro da Rocha, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG-USP), que não participou do estudo. Quanto mais quente, mais a atmosfera demanda água da superfície para obter o combustível para formar nuvens de chuva, o vapor de água (ver reportagem).
Para classificar o clima do país, os pesquisadores do Inpe e do Cemaden calcularam a evolução de um índice de aridez ao longo das últimas seis décadas. Juntaram dados de medições feitas em estações meteorológicas e estimativas referentes a quatro períodos sucessivos de 30 anos (1960-1990, 1970-2000, 1980-2010 e 1990-2020). Essa abordagem permite enxergar para onde a umidade caminha com o passar do tempo. Em seguida, determinaram a taxa de umidade para todo o território nacional, com ênfase nas regiões mais secas, para cada ciclo de 30 anos.
O índice de aridez de uma região em um período é dado por uma equação simples: o total acumulado de chuva dividido pela evapotranspiração potencial (a quantidade máxima de água que pode ser perdida para a atmosfera por esse processo). Alguns trabalhos usam apenas os valores das chuvas, mas os autores preferiram adotar o índice, considerado por eles mais adequado para medir o grau de aridez. Os relatórios do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) também trabalham com esse índice, além de analisar a evolução somente da chuva acumulada ao longo do tempo.
Quando a quantidade de água que cai com a chuva supera a que deixa a superfície de uma região pela evapotranspiração, o resultado dessa conta é maior do que 1. Se a situação for o contrário (menos chuva do que evapotranspiração), o valor do índice de aridez é menor do que 1. Por esse parâmetro, áreas consideradas secas são aquelas cuja razão entre chuva e evapotranspiração não ultrapassa o valor de 0,65 (ver mapas). Ou seja, a água que cai com a pluviosidade equivale a no máximo 65% da que sobe para a atmosfera pela transpiração das plantas e evapora da superfície. Acima desse limite, os climas são considerados como úmidos.