Recém-descoberto, microcrustáceo pode “medir” contaminação em águas amazônicas
No norte da cidade de Porto Velho, em Rondônia, o pesquisador da USP Diego Gomes coletou um microcrustáceo que acreditava ser uma espécie já conhecida. No entanto, após as verificações de taxonomia realizadas por pesquisadores da Universidade de Brasília (UnB), o grupo envolvido no estudo da espécie confirmou: tratava-se de uma espécie ainda não descrita, que recebeu o nome de Strandesia rondoniensis. A nova espécie demonstrou grande potencial para uso em estudos de laboratório, constataram os pesquisadores da Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos (FZEA) da USP.
O Strandesia rondoniensis é um ostrácode – microcrustáceo que possui o corpo formado por uma concha de duas partes. Ele vive no substrato de ambientes aquáticos e tem tamanho médio de 771 micrômetros (µm), alta fertilidade em comparação com outras espécies e vive em média 47 dias. Além disso, todos os indivíduos coletados eram fêmeas. A forma de reprodução é através da partenogênese, quando o embrião se desenvolve de um óvulo sem que ocorra a fecundação.
Para estudá-lo, Gomes conta que o primeiro desafio foi o cultivo e o manejo do animal. “É realmente muito difícil a gente aclimatar e manter uma espécie em cultivos laboratoriais. Às vezes, leva anos para conseguir acertar [as condições físicas e químicas ideais].” Mas, como relata o pesquisador, depois de algumas tentativas, o ostrácode conseguiu se aclimatar.
Características da espécie como rápido crescimento, altas taxas de reprodução e facilidade na manutenção contribuem para seu uso como um organismo teste. Os organismos teste são utilizados por pesquisadores como ferramentas de avaliação dos impactos ambientais causados por diferentes poluentes.
No artigo, publicado na revista internacional Limnologica, os pesquisadores também revelam que o Stradesia rondoniensis surgiu a partir de uma convergência evolutiva das espécies de ostrácodes Neostrandesia striata e Bradleytriebella lineata. Como explica Raquel Moreira, docente do Departamento de Ciências Básicas da FZEA-USP e co-orientadora do trabalho, a convergência evolutiva “é um fenômeno que é observado em seres vivos quando estes desenvolvem características semelhantes, mas que são de origens diferentes”.
Ou seja, apesar de ter alta similaridade com os outros exemplares em relação à carapaça, o Strandesia rondoniensis possui particularidades que o caracterizam como uma nova espécie. Entre elas, o padrão de ornamentação de sua carapaça que é reticulado (semelhante à uma rede), enquanto o das outras espécies é estriado. “Conhecer todas as espécies de animais [do bioma amazônico] não é algo simples. Então, descrever uma nova espécie representa uma contribuição para a ampliação de conhecimento da biodiversidade desse importante bioma” aponta Raquel.
Espécies nativas e organismos teste
Os pesquisadores têm como objetivo utilizar a espécie como um organismo modelo e, por isso, seguem investigando, principalmente, a capacidade do Strandesia rondoniensis de refletir os impactos de contaminação por compostos tóxicos sobre os organismos vivos, área chamada de ecotoxicologia aquática. Os microcrustáceos têm a importante função de transferir matéria e energia para níveis superiores da cadeia alimentar, como peixes e insetos, se alimentando de detritos presentes no substrato de ambientes aquáticos. Por isso, sinais de contaminação nessas espécies podem mostrar que os efeitos serão sentidos em toda o ecossistema. “Na Amazônia, hoje, não existe nenhum organismo teste padronizado para estudos ecotoxicológicos”, lembra Gomes.
Para que um organismo possa ser utilizado em laboratório como um organismo modelo, ele deve atender a normas nacionais e internacionais. No Brasil, essa regulamentação é feita pela Associação Brasileira de Normas Técnicas, a ABNT. Moreira explica que, por já serem padronizadas, geralmente, as espécies de invertebrados utilizadas são pertencentes aos zooplânctons, organismos aquáticos que vivem dispersos no ambiente marinho e de água doce.
Mas o uso do Strandesia rondoniensis é uma oportunidade para refletir o que acontece no ecossistema amazônico em laboratório. “Nós adicionamos realismo ecológico quando conseguimos utilizar espécies nativas e que estão sendo impactadas por atividades antrópicas [do ser humano]”, explica Moreira.