PEQUENAS MARCAS DE COSMÉTICOS DÃO EXEMPLO DE SUSTENTABILIDADE
Escolher com cuidado a matéria-prima dos produtos, principalmente de fontes renováveis, garantir uma entrega sem impactos ambientais e valorizar uma embalagem ambientalmente correta têm sido os valores que estão elevando pequenas marcas de cosméticos como exemplos de sustentabilidade pelo país.
Segundo uma pesquisa feita em janeiro de 2019 pela empresa Grand View Research, o Brasil já figura entre o principal mercado de cosméticos orgânicos e naturais da América Latina. A expectativa é que essa área de negócios movimente no mundo cerca de 25,11 bilhões de dólares até 2025.
Outro estudo, o da empresa de pesquisas Global Consumer Trends 2019, apontou que o consumo responsável e a redução de plástico serão dois fatores definitivos para a tomada de decisão dos consumidores, que estão mais exigentes aos impactos ambientais causados na fabricação de produtos.
“É nítida uma movimentação, principalmente do público millenial (geração Y, nascidos entre 1981 e 1996), tanto nas redes sociais quanto no nosso e-commerce, interessado em nossas iniciativas, posicionamento e produtos”, relata a empreendedora Caroline Villar, fundadora da Souvie, que produz cosméticos orgânicos.
A empresa fechou os quiosques de shopping, porém aumentou significativamente as vendas online em razão da pandemia. “O que nós percebemos é que o consumidor, no período de isolamento social, voltou o olhar aos seus cuidados e rituais de beleza, começou a questionar os ingredientes das fórmulas e ver quais eram as composições dos cosméticos que usa. ”
A escolha dos componentes dos produtos da Souvie é realizada de acordo com indicações de uma lista fornecida pela certificadora ambiental Ecocert Greenlife. Por exemplo, as embalagens e os frascos são de alumínio ou vidro e a empresa faz parte do programa “Dê a mão para o futuro”, da Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (ABIHPEC), que recicla materiais na mesma quantidade que fabricam produtos. Dessa forma, é possível beneficiar cooperativas e catadores de papel.
Em relação a outros insumos gerados no processo de fabricação, como os efluentes (espécie de esgoto gerado na produção), a Souvie construiu uma estação de tratamento para essa substância. “Como a grande maioria das nossas matérias-primas é de origem vegetal e natural, conseguimos tratar todo esse efluente lá mesmo e isso volta já tratado para a rede pública de esgoto”, explica Villar.
MUDANDO A ESTRATÉGIA
A empresa de cosméticos naturais AhoAloe viu seus pedidos online crescerem 700% e o faturamento saltou 200% entre junho e agosto. Assim que houve a flexibilização e o comércio pode reabrir as portas, os sócios Larissa Pessoa e Rodrigo Lanhoso inauguraram a primeira loja física no bairro de Pinheiros, na zona oeste de São Paulo. Eles esperam por um crescimento de 500% nas vendas até o final do ano.
Os produtos contam com o reconhecimento da certificadora ambiental IBD, a marca utiliza garrafas e frascos de PET reciclado e biodegradável que não gera resíduo ou polui o meio ambiente durante o processo de decomposição. “Esse material recebe o complemento de uma enzima pró-degradante derivada do óleo de coco da palmeira”, explica Larissa. “Nas condições ideais, a biodegradação total é alcançada de 4 a 10 anos depois e os subprodutos gerados, como água, gás carbônico e biomassa, são reintegrados à terra como fertilizante.”
Além da IBD, eles possuem o selo “eureciclo”, certificadora oficial do Sistema de Logística Reversa do Estado de São Paulo, que faz a compensação dos resíduos plásticos colocados pela marca no mercado pagando de maneira justa as cooperativas de reciclagem.
Para os proprietários, os grandes desafios de se manter uma marca de cosméticos naturais são possuir e atender todas as exigências legais, logísticas operacionais e tributárias que envolvem a produção e distribuição dos produtos. “Sabemos, vivemos e superamos diariamente os desafios de se ter uma indústria 100% legalizada e certificada para a produção”, conta garantindo que a produção possui todas as licenças para funcionamento.
EXIGÊNCIAS
“As exigências da Anvisa em relação à legislação são bem rigorosas, além de caras e demoradas”, conta a química Letícia Souza, criadora da marca mineira Vegah, que possui o próprio laboratório e já começou o processo de regulamentação dos primeiros produtos.
Com o objetivo de lançar oito novos produtos nos próximos meses e crescer em até 30% até março do próximo ano, a marca já conseguiu o selo “eureciclo” e usa apenas matéria-prima de origem vegetal, além de fazer parceria com uma empresa júnior da Universidade Federal de Uberlândia para o tratamento dos resíduos gerados no processo de fabricação.
Outra marca que pratica a sustentabilidade em todas as pontas é a Oleum Artesanal, com linhas completas de skincare, produtos para o corpo, cabelos e proteção solar.
“Priorizamos ingredientes brasileiros, de pequenos produtores, empresas referência em desenvolvimento sustentável e com responsabilidade ambiental”, diz a fundadora Renata Porto.
Além de também possuir o selo “eureciclo”, a marca procurou uma cooperativa para fazer o descarte correto dos resíduos da manipulação e valoriza bastante a economia de água no processo de produção. “Criamos uma miniestação de tratamento para possibilitar o reuso da água para a limpeza dos equipamentos de laboratório”, conta. “Mas o mais importante é conscientizar o nosso colaborador da importância de não haver desperdício em nenhuma etapa da produção”, contou.
Ela também reitera que as autoridades devem ter um olhar para o processo de legalização, principalmente no que se refere ao produto artesanal. “Esse olhar já acontece na Europa, com o intercâmbio entre os órgãos regulador e o produtor”, diz.
DESTINO DOS RESÍDUOS
A empresa Reciclo Beleza Sustentável, dos empreendedores Fábio Silva e Maria Thereza Alpoim, surgiu com o objetivo de ajudar as marcas de saúde, beleza, perfumaria e cosméticos a dar uma destinação ambientalmente adequada às embalagens e resíduos pós-consumo. Por meio de uma parceria com cooperativas de coleta da região metropolitana de São Paulo, em especial as que ficam localizadas na zona leste e sul da capital, a instituição faz a coleta, a triagem e a comercialização dos resíduos.
A empresa também possui uma certificação e um selo que garantem que as marcas estão cumprindo com a questão ambiental. “As marcas de cosméticos naturais, orgânicas ou veganas são as mais interessadas, pois já nascem com este DNA de sustentabilidade”, afirma Silva.
SUSTENTABILIDADE EM TODOS OS SENTIDOS
Foi com o cultivo de rosas ensinado pelo avô que a educadora e empreendedora Estefânia Verreschi criou a Ervaria das Luas. “Apesar de os óleos vegetais e essenciais terem resultados no corpo físico e beneficiarem a pele, a alma do que faço está no acesso ao corpo vibracional”, diz.
Situada em Cunha, cidade do interior paulista, ela mesma planta e colhe boa parte dos ingredientes que compõem os produtos. Todos são feitos manualmente um a um. “Prezo pelo zelo que meus fornecedores têm com a questão, eles precisam estar alinhados com esse propósito”, diz ela, que tinge os sacos de tecido utilizados em algumas embalagens com plantas do jardim e usa fita de goma para fechar as caixas de papel, além de dar ideias e receitas para que os clientes reutilizem os frascos de vidro quando as essências acabam.
A sustentabilidade da marca também se une ao lado social. “Como Cunha é mais conhecida como a cidade da cerâmica e tem um histórico de mulheres paneleiras, tenho ido até ela para que produzam copos de barro, e nisso os transformo em velas”, conta Verreschi. Foi a forma que a empresária encontrou para dar visibilidade a essas mulheres e também conseguir gerar renda. “Por meio desse trabalho, a gente traz também uma sustentabilidade humana”, finaliza.
Fonte: O Estado de S.Paulo