Cerrado é fundamental para evitar racionamento de água e energia no Brasil; entenda elo com a crise atual
O Cerrado é insubstituível para a distribuição de água no Brasil. O bioma, por ter o solo mais alto, absorve a umidade e leva água para 8 das 12 bacias importantes para o consumo de água e geração de energia no país. A falta de chuva na região influencia na seca do Pantanal, no Rio São Francisco e até em Itaipu, uma das hidrelétricas do país, abastecida pela bacia do Rio Paraná.
Abaixo, nesta reportagem, entenda os seguintes pontos:
- Qual é a influência do Cerrado na distribuição da água no país?
- O que precisa acontecer para reversão do atual cenário?
- Qualquer chuva abastece o país?
- Preservar só o Cerrado resolve o problema?
- O motivo da atual crise da água é o aquecimento global?
Na região da bacia do Rio Paraná, que abastece Itaipu, o Cerrado responde por quase 50% de toda a vazão. As regiões do São Francisco, do Parnaíba e do Paraguai – esta última ligada ao Pantanal – têm uma dependência hidrológica ainda maior: o bioma é responsável por aproximadamente 94%, 105% e 135%, respectivamente, de toda a vazão.
Alguns desses índices são superiores a 100% porque incluem também a precipitação que chega ao solo, mas que depois evapora devido ao sol e às formações geográficas. Esses dados são resultado de pesquisa feita por Jorge Werneck, da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e diretor da Agência Reguladora de Águas, Energia e Saneamento Básico do Distrito Federal (Adasa).
É por isso que, se não chove no Cerrado, o país inteiro sente. O Pantanal vive a maior seca dos últimos 50 anos, e os motivos exatos ainda são investigados. Mas a seca existe, e, para resolvê-la, é preciso que chova nos dois biomas.
“No verão de 2019 e 2020, choveu menos que o normal. Isso gerou os incêndios no Pantanal e as quedas do rio Paraguai. Entre 2020 e 2021, deveria ter chovido quase 950 mm no total climatológico esperado, e tem chovido menos de 500 mm”, disse José Marengo, climatologista, meteorologista e coordenador-geral de Pesquisa e Desenvolvimento do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden).
De acordo com o climatologista, a chuva precisa chegar no Cerrado e nas regiões afetadas. O Centro-Oeste é fundamental para o abastecimento de água e, consequentemente, para as cidades, para a agricultura e para a geração de energia. Chover é necessidade urgente para evitar um racionamento maior.
“Se você me pergunta: será que em outubro a chuva vai começar na hora certa? Por enquanto, neste momento, é muito cedo para dizer”.
Segundo Marengo, os reservatórios estão com água abaixo da média. No caso da bacia do Paraguai, os índices estão ainda mais baixos que durante o ano passado. “Se não tem chuva no Centro-Oeste, você vai ter menos chuva no Rio São Francisco e acaba tendo menos chuva também na bacia do rio Paraguai e na bacia do Rio Paraná”.
Uma chuva de um dia para o outro não resolve o problema no Cerrado. Precisa chover com constância e quantidade. Isso porque o solo já está seco e precisa absorver parte da água que chega inicialmente.
“É aquela chuva mais invernada, que chove 2, 3, 4, 5 dias seguidos e numa quantidade boa. (…) A gente precisa de chuva nos locais certos, no momento certo, e com a intensidade e duração e frequência adequada para promover a recarga dos aquíferos e a recuperação dos nossos rios e dos reservatórios”, explica Werneck.
Não. Mercedes Bustamante, professora da Universidade de Brasília (UnB) e uma das maiores especialistas em clima e Cerrado do país, diz que a gestão dos recursos não pode enxergar as fronteiras criadas pelo homem. Amazônia, Cerrado e Pantanal, e outros biomas do Brasil, dependem uns dos outros.
“Os recursos naturais não têm as fronteiras que a gente coloca. Quando a gente fala em conservação é importante você olhar esta conectividade”.
A Amazônia, por exemplo, quando desmatada, pode influenciar na chuva do Cerrado. Assim como Cerrado, se desmatado, dificulta o ciclo das chuvas e da água que chega para a produção de energia.
“O Cerrado tem solos profundos, muito argilosos, com uma boa capacidade de drenagem de água, mas depende também da cobertura vegetal. A vegetação faz a ponte entre atmosfera e o solo”, explica Bustamante.
A Amazônia tem o papel de, com os rios voadores, contribuir com a umidade paras as outras regiões do Brasil da América Latina. Essa água da floresta é recebida em parte pelo Cerrado, que segue seu fluxo ajudando o Pantanal, o Rio São Francisco, a bacia do Rio Paraná.
“Parte da precipitação que tem no Centro-Oeste está associada à cobertura floresta da Amazônia, ao transporte de umidade que a floresta faz, que por sua vez recebe umidade dos oceanos, depois transfere para a porção central no Brasil”.
Werneck deixa bem claro que é possível pensar em uma gestão dos recursos naturais que contemple a preservação ambiental, a produção de alimentos, o abastecimento de energia. Segundo ele, é um quebra-cabeças complexo que precisa ser desenhado de forma integrada com a maior eficiência possível, uma otimização dos recursos, com o desgaste ambiental dentro dos limites aceitáveis.
“É possível ter água para os diferentes setores, mas a gente precisa evoluir no planejamento e no monitoramento para ter produção de alimento e de energia, ter a indústria desenvolvida e as cidades abastecidas. Os riscos climáticos precisam ser considerados para que estejamos preparados para esses momentos, que virão. Os momentos de pouca chuva e os momentos muita chuva vão acontecer”.
Por enquanto, os cientistas afirmam com uma certeza irrefutável, segundo o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), que a Terra já está vivendo e viverá cada vez mais eventos extremos. A falta de chuva e o calor em excesso fazem parte da lista de desastres previstos para os próximos anos.
“Este ano é um ano típico de extremos. Você já viu onda de calor, de frio, seca, enchentes. Justamente, esses eventos extremos, incluindo a seca do Pantanal, vem no mesmo sentido do aquecimento global, está cada vez mais intenso. O aquecimento global é um processo natural, só que o IPCC afirma que esse processo natural está sendo amplificado por atividades humanas”, diz Marengo.
O climatologista está pesquisando, junto ao seu grupo de trabalho, se a falta de água e o fogo vistos no Pantanal no último ano poderiam ter acontecido sem a ação do homem. Segundo ele, é uma certeza que ainda não existe, apesar dos indicativos do IPCC.
“O que aconteceu em 2020 foi uma combinação. Uma seca no verão e uma onda de calor em setembro e outubro. Isso afetou toda a região central da América do Sul, a Amazônia do Peru, Paraguai, Bolívia, norte da Argentina, isso acrescentou risco de incêndios. É isso que agora se chama de eventos extremos compostos. Não é um evento, é uma combinação de dois eventos ou mais”.
Por G1