Obra publicada pela Fundação Heinrich Böll mostra que 40% das espécies de insetos podem desaparecer nas próximas décadas por uso de agrotóxicos, monoculturas e mudanças no clima
Os insetos representam cerca de 90% das espécies de animais em todo o mundo, mas sua sobrevivência está em risco: 40% podem ser extintos nas próximas décadas, comprometendo diversos serviços ambientais como a polinização de espécies vegetais, o controle biológico de pragas agrícolas e a ciclagem de nutrientes, processo essencial ao equilíbrio dos ecossistemas, o que acabaria por ameaçar a segurança alimentar da humanidade.
O alerta vem do Atlas dos Insetos, lançado pela Fundação Heinrich Böll na última terça-feira (7), disponível gratuitamente para download e divulgado com exclusividade pelo Um Só Planeta. A pesquisa contextualiza as causas para o desaparecimento dos insetos e sugere alternativas para reverter a situação, a partir de práticas ecológicas que preservem a biodiversidade na agricultura e políticas públicas que promovam a proteção das espécies.
Fruto do trabalho de 34 autores, entre cientistas brasileiros e estrangeiros, o Atlas aponta os agrotóxicos como uma das principais causas de mortalidade entre os insetos. Dependendo do tipo, esses produtos podem causar mortalidade não só nas espécies alvo de sua ação — as chamadas pragas agrícolas — mas também a espécies benéficas como as abelhas, que podem ter seu sentido de orientação comprometido ou mesmo tornarem-se mais vulneráveis ao ataque de patógenos.
Ou seja, o uso o excessivo de agrotóxico afeta populações de polinizadores e pode trazer impactos na produção agrícola, já que 76% das plantas utilizadas para prover alimentos no País dependem da polinização feita por animais. Além disso, os chamados defensivos também podem reduzir a quantidade e variedade de insetos que se alimentam de pragas agrícolas e as controlam naturalmente, aumentando ainda mais a necessidade de aplicações de agrotóxicos, em um círculo vicioso.
Especialistas também alertam para as mudanças climáticas, que prejudicam insetos benéficos como os polinizadores, mas podem tornar abundantes espécies consideradas pragas, e diminuir a tolerância de plantas agrícolas aos seus ataques. Há, ainda, o risco à saúde: a alta da temperatura, o desmatamento e a urbanização desordenada são fatores de risco para a proliferação de mosquitos Aedes aegypti, causadores da dengue, zika e a chikungunya.
O aumento da temperatura também pode desencadear surtos de gafanhotos, por afetar o desenvolvimento, comportamento e reprodução destes insetos. Desde o século 17, há registros de ataques de gafanhotos no Brasil e a última grande ameaça aconteceu em agosto de 2020, quando nuvens de gafanhotos se deslocaram por Argentina e Paraguai, ameaçando entrar no país.
No Brasil, estudos relatam que a longevidade e capacidade reprodutiva de um pulgão que ataca forrageiras, Sipha flava, foram significativamente maiores quando os insetos foram mantidos em nível de CO₂ alto e constante. Já uma pesquisa da Universidade de Seattle, nos Estados Unidos, calculou que as safras de arroz, milho e trigo diminuirão entre 10% e 25% por grau de aquecimento global como resultado de mudanças nas populações de insetos. Outro estudo da Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES), citado no Atlas, demonstra que a produção de alimentos como melancias, abóboras, cacau e castanha-do-pará pode sofrer um declínio de mais de 90% na ausência da polinização por animais.
“As pesquisas mostram como o modelo convencional de agricultura está fortemente relacionado à acentuada taxa de declínio dos insetos, que vêm perdendo seus habitats devido ao desmatamento, às crescentes monoculturas e ao uso excessivo de agrotóxicos. Contraditoriamente, esse modelo pode nos levar à insegurança alimentar, uma vez que os insetos, pelas funções que desempenham nos ecossistemas, são responsáveis por grande parte da polinização”, afirma Joana Simoni, coordenadora da área de agricultura da Fundação Heinrich Böll e editora do Atlas.
Para Marcelo Montenegro, coordenador da área de Justiça Socioambiental da Fundação Heinrich Böll no Brasil, o Atlas funciona como uma grande ferramenta de popularização da ciência voltada para dar visibilidade aos insetos — muitas vezes, temidos pelos humanos, mas com grande importância na natureza.
“Os insetos geralmente são visto de forma negativa, como pragas, como vilões. Mas não é assim. Eles têm uma importância imensa para a biodiversidade, para a vida e alimentação como um todo no planeta que é fundamental para a nossa própria sobrevivência”, ressalta Montenegro, que destaca a obra como uma porta de entrada para as pessoas interessadas no tema poderem se aprofundar.
Madelaine Venzon, pesquisadora da Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (EPAMIG) e coordenadora do Programa Estadual de Pesquisa em Agroecologia de Minas Gerais, também exalta o Atlas como um instrumento de educação, e garante que sua principal função é popularizar a ciência, levando informação para o público leigo.
“A gente traz a problemática, mas também mostra a solução, aponta os caminhos. De uma maneira bem fácil, mostra o que pode ser feito. Acho que a pessoa que for ler vai ter uma outra noção dos insetos, do serviço que eles podem fazer”, explica ela.
O lançamento oficial do Atlas dos Insetos ocorreu na terça-feira (7), em live com a participação da doutora em biologia populacional pela Universidade de Amsterdam, pesquisadora da EPAMIG e membro do conselho editorial do Atlas, Madelaine Vezon; do doutor em engenharia de produção pela UFSC e membro da coordenação do Fórum Gaúcho de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos, Leonardo Melgarejo; e do Coordenador de Programas e Projetos da Fundação Heinrich Böll na área de Justiça Socioambiental, Marcelo Montenegro. A mediação será da jornalista, mestre em comunicação e editora do Jornal da USP, Luiza Caires.
Biodiversidade de insetos no Brasil
Além dos milhões de insetos já catalogados, cientistas estimam que entre três e cinco milhões de espécies, sendo 1,5 milhão apenas de besouros, ainda aguardam descoberta em todo o mundo. O Brasil abriga aproximadamente 90 mil espécies catalogadas, quase 9% do total, possuindo a maior diversidade do planeta. No entanto, estimativas indicam que a fauna brasileira pode conter entre 500 mil e um milhão de espécies.
A dinâmica de colaboração das espécies tem importância econômica e social. Como exemplo, as abelhas têm papel significativo em regiões de baixa renda brasileiras, já que grande parte dos apicultores são agricultores familiares. Outro destaque entre os insetos colaboradores são as joaninhas, que atuam no controle biológico de espécies indesejáveis.
Os autores do Atlas destacam que, além das boas práticas, a proteção dos insetos precisa de políticas públicas. O Relatório Temático sobre Polinização, Polinizadores e Produção de Alimentos no Brasil, produzido pela Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (PBBES) em 2019, apontou a necessidade de uma política nacional de polinizadores ancorada na conservação da biodiversidade. No entanto, na contramão da preservação, o governo brasileiro já liberou 411 pesticidas apenas em 2021.
Fonte: Um Só Planeta