Estudo sugere que antas e queixadas são responsáveis por fertilização do solo
florestal. Pesquisadores do Laboratório de Biologia da Conservação (LaBic), da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp-Rio Claro), estão estudando o papel das antas (Tapirus terrestris) e queixadas (Tayassu pecari) na fertilização do solo por meio da matéria orgânica das fezes e dispersão de fungos presentes em raízes.
O experimento, realizado no viveiro do Legado das Águas — maior reserva privada de Mata Atlântica do país, já demonstra resultados que podem significar a descoberta que esta é uma outra função ecológica desempenhada por esses animais.
A pesquisa, desenvolvida pela ecóloga Letícia Bulascoschi Cagnoni, orientada pelo Professor Dr. Mauro Galetti, também da Unesp — campus Rio Claro, está investigando a interação entre as plantas, fungos de solo e essas duas espécies de animais herbívoros.
“Sabe-se que cerca de 80% de plantas estão associadas a fungos micorrízicos (que vivem nas raízes e crescem pelo solo) para absorver melhor os nutrientes, como nitrogênio e fósforo. Porém, o que buscamos entender é se de fato a anta e o queixada adicionam nutrientes ao solo e fazem a dispersão desses fungos pelas fezes”, explica a ecóloga.
Mas porque esses fungos são tão importantes? 13 dos 16 elementos que as plantas precisam para completar o ciclo de vida estão presentes no solo, e esses fungos micorrízicos ajudam as plantas a absorvê-los de forma mais eficiente. Em troca, as plantas fornecem carbono para o fungo continuar crescendo. Essa solidariedade escondida sob a terra, gera um solo mais rico e fértil e uma floresta mais saudável.
De acordo com Letícia, o estudo sugere que a dieta dos queixadas e das antas é rica em frutos, sendo que boa parte do cardápio está no chão, e ao mexer na terra para comê-los, eles acabam ingerindo os fungos também.
Além disso, tais animais se alimentam de uma enorme variedade de folhas. Portanto, as suas fezes ofereceriam à floresta o serviço completo: as sementes, os fungos e a matéria orgânica rica em nutrientes, principalmente em nitrogênio e potássio, muito consumidos pelas plantas em fase de crescimento.
Para comprovar que esses herbívoros desempenham esses papéis, uma das estufas do viveiro do Legado das Águas é utilizada como laboratório para testar 500 mudas de cinco espécies de plantas nativas da Mata Atlântica em diferentes condições, fertilizadas com as fezes e com fertilizantes sintéticos em dosagens iguais. As mudas são acompanhadas durante sete meses e, após esse período, o desempenho delas nos diferentes cenários é comparado.
A pesquisa, que começou há mais de um ano, já apresentou os primeiros resultados. “As primeiras espécies testadas foram Cryptocarya mandioccana, da família das canelas, e a Myrcia pubipetala, da família Myrtaceae, muito ingerida por aves. As plantas em solo fertilizado com as fezes de antas ou queixadas em condições de sombra, tiveram desempenho consideravelmente melhor que as demais com fertilizante industrial. Esse resultado já demonstra que há alguma influência exercida por esses animais no ecossistema florestal”, diz a ecóloga, acrescentando que os dados também podem subsidiar a criação de compostos orgânicos como alternativa para nutrição de culturas, que atualmente, utilizam grandes quantidades de fertilizantes químicos que agridem o solo.
Outro ponto destacado por Letícia é o alto grau de conservação da floresta do Legado das Águas, que, segundo ela, é essencial para qualidade da pesquisa. “A floresta conservada da Reserva fornece material de confiança para testar como os ambientes naturais se comportam, e quais impactos os ambientes florestais sofrem pela ausência das espécies animais”, diz Letícia referindo-se ao que chama de “floresta vazia”, um fenômeno causado pela defaunação, que é a diminuição acelerada e drástica de espécies animais na floresta.
Letícia acrescenta que há uma ideia de que todo contínuo florestal ou fragmentos são ambientes saudáveis, mas pode não ser bem assim. “Ainda que a ciência esteja caminhando para entender os efeitos da perda de fauna, a presença dos animais é sem dúvida indispensável para o equilíbrio florestal. Entre os nossos objetivos com essa pesquisa é entender quão significativa é a contribuição das antas e queixadas, visto que são responsáveis pela dispersão de 25% das espécies arbóreas da Mata Atlântica. Por outro lado, junto com primatas, estão entre as espécies mais ameaçadas quando uma floresta está em perigo, seja por caça ou desmatamento. Por isso, o Legado das Águas é uma área que pode apontar para descobertas bastante interessantes devido a quantidade expressiva de floresta primária conservada e com grandes populações animais”, diz.
O experimento, realizado no Legado das Águas, integra um conjunto de pesquisas financiadas pela Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa de o Estado de São Paulo) que busca entender os efeitos da defaunação, principalmente de grandes herbívoros, nos ecossistemas tropicais, lideradas pelos pesquisadores Mauro Galetti, Claudia Paz, Nacho Villar e Letícia Bulascoschi Cagnoni.
Com essa pesquisa, o Legado das Águas já contabiliza mais dez estudos que recebeu em seu território, entre levantamento e monitoramento de fauna e flora, mapeamento genético e outros, realizados por meio de investimento próprio e parcerias.
“O Legado tem o compromisso de sempre receber instituições de pesquisas e, com isso, gerar conhecimento sobre a Mata Atlântica, um dos biomas mais biodiversos do planeta. Temos colhidos bons frutos e acreditamos no potencial de cada pesquisa para a conservação e a geração de negócios da nova economia”, comenta David Canassa, diretor da Reservas Votorantim, que faz a gestão do Legado das Águas.
Fonte: CicloVivo