Com crise climática, ursos polares estão procurando comida no lixo dos homens
(Thomas Scott Smith*) – Mais de 50 ursos polares famintos invadiram a vila costeira russa de Belushya Guba durante um período de três meses, atraídos pelo lixão local. Alguns ursos entraram em casas e empresas, arrancando as portas das dobradiças e subindo pelas janelas. Essas invasões têm aumentado constantemente nos assentamentos do Ártico, embora este caso, no inverno de 2019, tenha sido um dos piores. Apesar de poucas pessoas tenham sido atacadas, o número de ursos mortos vem aumentando.
Sou um biólogo que tem estudado ursos nos últimos 30 anos. Ao longo de milênios, os ursos polares desenvolveram a capacidade de localizar alimentos no clima severo do Ártico. Agora, como as mudanças climáticas causam uma perda de gelo marinho, sua temporada de forrageamento (busca e exploração de recursos alimentares) é mais curta; e eles são forçados, cada vez mais, a deixar o mar e vir à terra atrás de alimento. Uma vez em terra, os narizes dos ursos os atraem para as aldeias onde encontram comida farta – mas não segura ou saudável para eles.
Meus colegas e eu publicamos recentemente um artigo sobre como a comida e os resíduos humanos estão se tornando uma grande ameaça à existência dos ursos polares – e comprometem a segurança humana. Também oferecemos soluções.
Mestres do olfato e da memória
Os ursos polares vivem em um ambiente extremamente austero, onde encontrar comida impulsiona todos os seus movimentos. Para ajudá-los em sua caça perpétua por comida, os ursos polares têm um dos sentidos olfativos mais desenvolvidos entre os animais do planeta. Sua capacidade de detectar cheiros de longe pode ser um problema, no entanto, quando o cheiro não vem das focas – seu principal recurso alimentar.
Substâncias fedorentas associadas a aldeias humanas também podem atrair ursos polares. Esses aromas incluem carne de caça pendurada do lado de fora das casas, lixeiras a céu aberto, churrasqueiras e até sementes de pássaros.
Depois que um urso polar descobre uma fonte de alimento, ele não vai esquecê-la. Embora os estudos sejam poucos, o trabalho em zoológicos sugere que os ursos estão entre os mamíferos mais curiosos, investigando e explorando novos objetos muito depois de outros mamíferos os abandonarem. Isso, juntamente com sua extraordinária capacidade de lembrar o momento e os locais das oportunidades de alimentos sazonais, serve muito bem aos ursos.
No topo da cadeia alimentar do Ártico, os ursos polares se alimentam principalmente de focas (Pusa hispida), que se alimentam de peixes, que por sua vez se alimentam de plâncton. A interrupção desta cadeia alimentar terá consequências terríveis para a estabilidade de todo o ecossistema. Os EUA classificaram o urso polar, outrora abundante, como espécie ameaçada, o que significa que corre o risco de ser extinto se as tendências continuarem.
Ursos sem gelo marinho
Os ursos polares são predadores de emboscada. Eles atacam focas que emergem através de buracos no gelo marinho para respirar. Na água, os ursos são bons nadadores, mas não são ágeis o suficiente para pegar uma foca em fuga; então, eles contam com o gelo marinho como plataforma para caçar. Mas as mudanças climáticas causaram uma diminuição alarmante no gelo do mar polar. Hoje existe aproximadamente 40% menos gelo do que três décadas atrás.
Não apenas menos gelo marinho cobre o Oceano Ártico, mas o que resta não é tão espesso quanto costumava ser – um prelúdio para o que eventualmente se tornará uma bacia ártica livre de gelo. Quando isso acontecer, todos os ursos polares serão forçados a desembarcar, sem a capacidade de caçar focas.
Ursos polares cruzando as costas e entrando em assentamentos humanos são resultados diretos da redução do gelo marinho – e da perda de oportunidades de caça que o acompanham.
A ameaça do lixo
Povos indígenas originários e moradores mais recentes compõem os quase 4 milhões de pessoas que vivem em todo o Ártico – em regiões da Rússia, Noruega, Groenlândia, Canadá e Estados Unidos. Historicamente, os alimentos nunca foram descartados nessas áreas. Mas a economia global descartável de hoje resultou em lixões cheios de resíduos, incluindo alimentos.
Quando os ursos polares entram nesses lixões em busca de comida, eles são atraídos por substâncias com cheiro forte, algumas das quais nem são comestíveis. Por exemplo, anticongelantes atraem os animais – e são fatais quando ingeridos. Os muitos produtos químicos nos lixões se tornam poções tóxicas, que matam os ursos ou enfraquecem seus sistemas imunológicos.
Além disso, os ursos são conhecidos por ingerir não alimentos. Madeira, plástico e metal foram encontrados nos estômagos dos ursos mortos. Embalagens plásticas, bolsas e outros itens semelhantes a membranas entopem a pequena abertura do estômago do urso até o intestino, resultando em uma morte lenta e dolorosa.
Uma vez que os ursos vasculharam completamente os lixões, eles se dirigem para aldeias próximas – confrontando pessoas, atacando seus animais de estimação e gado e vasculhando estruturas, dentro das quais esperam encontrar comida.
Já existem soluções para remediar esta situação. No entanto, eles exigem dinheiro e vontade política.
A cerca elétrica é altamente eficaz para separar os ursos do lixo, mas pode ser cara para uma pequena vila. Armazenar o lixo e depois transportá-lo para fora do local para instalações onde possa ser descartado com segurança também é eficaz, mas também é caro. Incineradores foram usados em algumas aldeias como Churchill, no Canadá, e reduziram bastante a quantidade de lixo. Mas essas soluções têm um custo ainda maior: as aldeias precisariam de assistência financeira para colocá-las em prática. A educação sobre como armazenar adequadamente alimentos e substâncias que atraem ursos também ajudaria a resolver o problema.
Em campos de batalha de ursos marrons e pretos como nos parques Yellowstone e Yosemite, nos Estados Unidos, os gestores há muito lutam contra o problema dos animais atraídos pelo lixo, aprendendo e tendo sucesso. De uma alta de 1.584 incidentes com ursos humanos em 1998, Yosemite registrou apenas 22 até o final de 2018 – uma redução de 99%.
Existe conhecimento para acabar com os “dump bears” (“ursos de lixões”) – e tudo o que acompanha esse infeliz título. Na batalha entre ursos e lixo, os ursos costumam ser os perdedores.
*Thomas Scott Smith é professor do Programa de Conservação de Vida Selvagem e Terras Selvagens na Brigham Young University (EUA)
Por Colabora