Enchentes e onda de calor escancaram catástrofe climática na Ásia
Trinta e três milhões de pessoas atingidas, um terço do território inundado, mais de 1.200 mortos, 3 milhões de crianças em situação de risco. Os números assustam, mas não são suficientes para dimensionar a catástrofe climática que atinge o Paquistão. Desde junho, chuvas quase três vezes mais intensas que a média dos últimos 30 anos atingem o país, causando enchentes devastadoras. O levantamento sobre a intensidade das “monções monstruosas” é do Escritório de Coordenação de Assuntos Humanitários (Ocha, na sigla em inglês), órgão da ONU.
Segundo Fahad Saeed, cientista climático e pesquisador do Climate Analytics, as inundações já são as mais devastadoras da história do país, superando, antes mesmo do fim da temporada de chuvas, as enchentes de 2010 — que atingiram entre 14 e 20 milhões de pessoas e mataram mais de 1.700. “Desta vez, as enchentes são causadas por chuvas torrenciais que começaram em meados de junho (…). A isso se somam as não menos devastadoras inundações nas margens de rios, que já provocaram o rompimento de duas barragens no norte do país”, disse, lembrando que o desastre acontece na sequência das ondas de calor que atingiram o Paquistão em março e abril deste ano.
Atuando como pesquisador visitante do Sustainable Development Policy Institute, em Islamabad, nordeste do Paquistão, Saeed viu a poucos metros de sua casa um homem ser carregado pela enchente enquanto tentava salvar cinco crianças desabrigadas, em julho. “Se ‘enorme’ é a palavra para os impactos das ondas de calor que experimentamos aqui no Paquistão, luto para encontrar uma apropriada para as perdas causadas pelas inundações. ‘Colossal’ e ‘gigantesco’ não fazem jus ao que estamos presenciando”, escreveu em artigo publicado nesta quinta (1). Reportagem da CNN traz imagens de satélite que mostram os estragos das inundações, que criaram um lago de 100 quilômetros de largura na província de Sindh após o transbordamento do rio Indo.
Relatório da Autoridade Nacional de Gestão de Desastres (NDMA, na sigla em inglês) do Paquistão divulgado nesta quinta (1) confirmou 1.208 mortes até o momento. Foram destruídas mais de 1 milhão de casas e 5 mil quilômetros de estradas. O país computa ainda mais de 200 pontes desmoronadas e mais de 700 mil animais mortos. As autoridades de saúde comunicaram, ainda, um surto de doenças transmitidas pela água nas áreas afetadas. Nos acampamentos para desabrigados, diarréia, doenças de pele e infecções oculares estão se espalhando e a provisão de água limpa e tratada para centenas de milhares de pessoas aparece como mais um desafio a ser enfrentado.
Para Saeed, é provável que os danos econômicos das enchentes ultrapassem bastante os US$ 9,7 bilhões registrados em 2010. “A onda de calor recorde de março/abril deste ano, que atingiu grande parte do país e, agora, a pior enchente da história são calamidades em sequência que expressam um caso clássico do que chamamos de ‘perdas e danos’ na ciência climática”, disse, lembrando que um recente estudo de atribuição mostrou que as mudanças climáticas tornaram a onda de calor deste ano 30 vezes mais provável.
O pesquisador afirma que estudos completos serão realizados quando a temporada de chuvas terminar, mas ressalta que cientistas acreditam na confirmação do papel das mudanças climáticas no agravamento das inundações. A segunda parte do Sexto Relatório de Avaliação do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU), lançada em fevereiro deste ano, enfatizou que alagamentos, tempestades, secas, incêndios e outros fenômenos extremos se tornam mais drásticos e frequentes com o planeta vivendo no cenário das mudanças climáticas. O sumário regional sobre a Ásia projetou uma intensificação das monções em função do aquecimento global.
O primeiro-ministro do Paquistão, Shehbaz Sharif, fez na última terça (30) um apelo por ajuda internacional. Em coletiva de imprensa, Sharif afirmou que o Paquistão não pode ser culpado pelo desastre resultante das mudanças climáticas. “Estamos sofrendo com isso, mas não é nossa culpa em hipótese alguma”, disse, segundo o Guardian.
Sherry Rehman, ministra das mudanças climáticas, reforçou o argumento, destacando que o país é responsável por menos de 1% das emissões globais de gases de efeito estufa. “Nossa pegada é tão pequena. Há países que enriqueceram às custas dos combustíveis fósseis e precisamos ser honestos a esse respeito”, disse. A ministra declarou ainda, em seu perfil no Twitter, que o país está pagando o preço pelas emissões dos países ricos e os convocou a assumirem suas responsabilidades com as metas fixadas no Acordo de Paris.
Em seu documento de atualização das Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDC, na sigla em inglês, que são os compromissos assumidos pelos países signatários do Acordo de Paris), o Paquistão apontou a necessidade de avanço nas políticas de adaptação do país às mudanças climáticas e destacou que está entre os mais vulneráveis aos efeitos do aquecimento global. Segundo ranking elaborado pela Germanwatch, o Paquistão foi o oitavo país mais afetado em todo o mundo pela crise climática no período de 2000 a 2019.
China: maior onda de calor da história pode anteceder enchentes
Também dura mais de dois meses o evento extremo que castiga a China: a atual onda de calor é a maior desde que os registros começaram, em 1961. Segundo o Centro Climático de Pequim, considerando a intensidade, impactos e duração, a onda iniciada em 13 de junho deste ano atingiu os mais altos índices já registrados pelo serviço de observação meteorológica. Artigo da NewScientist apontou que essa pode ser a maior onda de calor já registrada em todo o mundo.
As altas temperaturas, sobretudo no sul e noroeste do país, vêm causando secas, falta de energia, perdas de safras e incêndios florestais. Segundo o Climate Change News, Chen Lijuan, do Centro Nacional do Clima, declarou que, com o aquecimento global, ondas de calor como essas serão “o novo normal”: “As altas temperaturas começam mais cedo e terminam mais tarde, o que será mais e mais comum no futuro”, disse.
Nesta semana, chuvas no centro da China trouxeram alguma expectativa de queda nas temperaturas. No entanto, a agência meteorológica chinesa alertou sobre possíveis inundações, que podem ser agravadas em razão da seca causada pela onda de calor. Analistas apontam, ainda, que a crise de energia está longe do fim.
Na segunda quinzena de agosto, a China anunciou o fechamento de fábricas por falta de energia. Além disso, a seca afetou rios navegáveis, como o Yangtze, o que prejudicou a logística da indústria do país. Até esta semana, fábricas de duas das principais províncias industriais do país ainda estavam fechadas, o que pode afetar o suprimento de peças para automóveis, computadores e telefones celulares em todo o mundo.