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Saber indígena e ciência se unem para evitar extinção do pirarucu

Saber indígena e ciência se unem para evitar extinção do pirarucu
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Na Amazônia, manejadores do peixe conhecido como “bacalhau brasileiro” precisam fazer vigilância dos ambientes aquáticos por conta da exploração da pesca ilegal

Peixe tradicional e iguaria da Amazônia, o pirarucu passou por um período de sério risco de extinção nos anos 2000. A falta de conhecimento sobre o volume dos cardumes e o avanço da pesca ilegal colocaram o maior peixe de escamas de água doce do mundo em ameaça, trazendo assim insegurança alimentar e de renda para os povos que dependem da espécie.

Foi então que uma técnica de manejo desenvolvida pelo Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, em parceria com comunidades locais, possibilitou conhecer a população de pirarucu e pensar uma forma de preservação para alimentação das pessoas.

Carlos Alberto Bezerra, oceanógrafo e técnico do Programa de Manejo de Pesca do Instituto, conta que o manejo não foi pensado diretamente para beneficiar a comercialização.

A ideia inicial era ter com o que o comunitário se alimentar. Como foi um sucesso, hoje em dia a gente acabou com esse problema de falta de peixe”, disse o oceanógrafo e técnico do Instituto Mamirauá.

Diferente da pesca, que captura os peixes de forma aleatória, o manejo considera o controle populacional e respeita o limite de indivíduos para finalidades comerciais e de abastecimento próprio. Manejar não é tarefa fácil. Com cerca de 1,50 metro de comprimento e podendo chegar a até 200 quilos, a espécie amazônica exige horas de dedicação, bem como dias de deslocamento rio adentro para muitas comunidades.

Manejo como preservação
Os saberes tradicionais contribuem muito para a atividade, pois é no momento que o pirarucu sai da água para respirar — movimento chamado de boiada — que os manejadores precisam ter o olhar clínico para fazer a contagem de cada peixe. A partir disso, eles são classificados em três pilares: reprodução, comercialização e subsistência. Do total, apenas 30% pode ser manejado, conforme esclarece Carlos Bezerra.

Em 2022, as organizações de manejadores filiadas à Federação dos Manejadores e Manejadoras de Pirarucu de Mamirauá (Femapam) poderão capturar um total de 25.189 espécimes de pirarucu. “Considerando uma média de 50 quilos cada peixe, elas terão uma produção estimada de 1.259.450 quilos”, diz o técnico do Instituto Mamirauá.
Pedro Canízio, manejador no Amazonas, onde está a Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá (RDSM) no Médio Solimões, conta que o volume total representa 80% do pirarucu manejado no País. Isso significa que a concentração do peixe no Brasil está em nove municípios, divididos entre Amazonas e Pará, cuja época certa de retirar o peixe do rio é entre outubro e novembro.

Não é porque o manejo do pirarucu é realizado durante dois meses que não há trabalho no restante do ano. A floresta em pé também contribui para a manutenção da vida nos rios, conforme ressalta Pedro Canízio. No entanto, a ausência de fiscalização e vigilância contra invasores faz com que as próprias comunidades indígenas, quilombolas e ribeirinhas assumam ainda mais este papel de guardiões da mata.
Divididos entre grupos de quatro a cinco pessoas, há rotas de vigilância feitas em pequenas embarcações.

O trabalho de vigilância é o ano todo. A gente enfrenta muita resistência, sem o apoio de instituições que deveriam dar e não tem. Muitos companheiros conhecidos já foram mortos nessa questão de defender o território e evitar a pesca predatória. Quatro anos atrás, não tinha invasores. Ibama e ICMBio davam apoio e agora não tem nada mais”, ele afirma.

Acesso a mercado
Apesar de todo o trabalho para manejar o peixe, a remuneração era pequena. Pedro, que também é presidente da Femapam, conta que recebia dos atravessadores cerca de R$ 3 por quilo de pirarucu. Em Manaus, o peixe é vendido por R$ 25/kg e em São Paulo pode chegar a R$ 50/kg. Conhecida como “bacalhau brasileiro”, a espécie tem carne macia, textura suave e poucas espinhas, já sendo reconhecido na culinária internacional.
A diferença entre o preço da venda e o que é pago ao manejador começou a ficar mais justa com a chegada da rede Origens Brasil, criada pelo Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora) e Instituto Socioambiental (ISA). A organização conecta produtos de comunidades tradicionais, em áreas protegidas na Amazônia, com empresas que utilizam matérias-primas da região.

O objetivo é promover um comércio ético que gere impactos positivos ao coletivo, colocando todos os interessados em uma conversa transparente sobre como valorizar a floresta em pé. A partir da articulação da rede, a empresa Cocar & Co, com sede em Manaus, passou a ser cliente do pirarucu manejado. Integrante da Juruá Amazônia Logística, a companhia foi criada especificamente para desenvolver e comercializar produtos com origem amazônica.
Luiz Brasi, coordenador da rede Origens Brasil do Imaflora, conta que a Cocar & Co é responsável pela limpeza, corte, embalagem e distribuição ao redor do Amazonas.

Este novo mercado elevou o preço do pirarucu para R$ 9/kg para os federados da Femapam. Mas não só isso. Também funciona como um regulador de preços para a região, puxando o preço médio para cerca de R$ 6 ou R$ 7”.

Logística
Conhecer a população de pirarucu e sua distribuição geográfica proporcionou autonomia aos manejadores, conta Pedro Canízio. Ele destaca outros pontos positivos como melhor preço, comércio mais justo e a rastreabilidade que o consumidor tem exigido de forma progressiva.

A logística facilitada pela Cocar & Co também faz o peixe chegar em outros locais, mas se fosse melhor daria para enviar para outros estados”, ele pondera. Isto é, se houvesse incentivos para infraestrutura nas comunidades tradicionais, seria possível armazenar ou até beneficiar na própria comunidade.

O peixe não pode passar de quatro horas fora do gelo, o que é delicado para uma região que falta energia elétrica. Uma das soluções, segundo todas as fontes, seria investir na captação de energia solar.

[A logística] é um desafio, são barcos que vão com caixas de gelo e precisam ser trocadas dentro das embarcações. Há casos que é preciso viajar por dias e comunidades que para tirar o pirarucu leva mais de um mês”, explica Pedro ao ressaltar que a qualidade do peixe é exigência máxima do mercado.

Mesmo com os desafios, a organização dos manejadores e a chegada do Origens Brasil abriram portas para a Indicação Geográfica (IG) Pirarucu de Manejo da Região de Mamirauá. Ao todo, nove municípios do Amazonas serão abrangidos com a indicação geográfica: Alvarães, Fonte Boa, Japurá, Juruá, Jutaí, Maraã, Tefé, Tonantins e Uarini. A área delimitada abarca as unidades de conservação Floresta Nacional (Flona) de Tefé, Reserva Extrativista (Resex) Auatí-Paraná e as reservas de desenvolvimento sustentável Mamirauá e Amanã.

Fonte: Um Só Planeta

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Trajano Xavier

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