Crateús (CE) / Buriti dos Montes (PI). Em poucos passos de caminhada, nos primeiros metros das trilhas da Reserva do Patrimônio Natural (RPPN) Serra das Almas já é possível avistar e ouvir diferentes espécies de aves que habitam a Caatinga. Uma variedade impressionante em vida livre que só é possível graças a um trabalho de mais de 20 anos que a Associação Caatinga realiza para preservar essas matas que ficam entre Crateús (CE) e Buriti dos Montes (PI).
O lugar tem potencial para ser um dos favoritos dos observadores de aves justamente por ser um dos maiores redutos de Caatinga preservada do Ceará e por abrigar uma diversidade de fauna e flora, que salta aos olhos dos que caminham por qualquer uma das seis trilhas pertencentes à Reserva. Neste semestre, a RPPN sediou a 33° edição do Vem Passarinhar CE, um encontro de observadores de aves em um fim de semana dedicado às passarinhadas. A iniciativa foi uma ação da Associação Caatinga por meio do Projeto No Clima da Caatinga, patrocinado pela Petrobrás no âmbito do Programa Petrobrás Socioambiental e com o apoio do grupo Vem Passarinhar CE.
O encontro teve como intuito colocar a Reserva no roteiro de observadores de aves em nível estadual, nacional e internacional. “Ao todo, a RPPN conta com mais de 230 espécies de aves catalogadas, dentre elas algumas ameaçadas de extinção ou raras de encontrar. O evento reuniu observadores de aves, guias de observação de pássaros e profissionais de outras áreas que tem esse hobby para estimular e divulgar a prática da observação de aves na Reserva Natural Serra das Almas e inseri-la nos roteiros desses grupos”, detalhou Samuel Portela, coordenador técnico da Associação Caatinga.
Durante os dois dias, o grupo percorreu as trilhas do Lajeiro, da Gameleira e dos Macacos e realizou saídas à noite em busca de aves noturnas. A trilha do lajeiro foi a primeira a ser percorrida. O caminho de 1,5 km cruza o Riacho Melancias no início e conta com uma paisagem repleta de espécies de plantas endêmicas da Caatinga floridas nesta época do ano.
Durante todo o percurso, foi possível observar inúmeras espécies de aves, mas para mim, a repórter passarinheira que vos escreve e que teve a satisfação de participar do encontro, o momento mais marcante foi chegar ao fim da trilha, onde há o lajeiro, que à essa hora estava banhado pela luz do sol poente.
O lajeiro é um afloramento rochoso composto por rochas areníticas e pequenas ilhas de vegetação, onde se encontram cactáceas como o xique-xique e o mandacaru, e bromeliáceas como a macambira. Não bastasse a paisagem fascinante, o lugar atrai espécies de beija-flor e de outras aves e por essa razão se tornou um dos pontos mais especiais durante o encontro para mim: repousava camuflado entre as flores de uma cactácea um beija flor-verde, de bico avermelhado, tão pequeno quanto meu dedo mindinho, pousado a poucos centímetros dos meus olhos. Era um besourinho-de-bico-vermelho (Chlorostilbon lucidus), espécie já avistada por mim antes, mas nunca tão de perto, pousado em uma planta, como quem fazia pose e aguardava ser fotografado.
E esse para mim é um dos grandes encantos da Serra das Almas: a sensação de que os animais parecem sentir-se tão protegidos que na presença de humanos a apenas centímetros de distância, em vez de voarem com medo, permanecem onde estão, à vontade e seguros em meio à natureza. A trilha do lajeiro também trouxe um momento marcante para Márcia Sidrim, que é oficial de justiça e observa aves desde 2016.
“Quando eu estava na torre de observação que há no lajeiro, já no fim do pôr do sol, dois indivíduos da espécie bacurau-tesoura (Hydropsalis brasiliana) passaram voando junto à torre. Foi impressionante!”, relembra.
Observador de aves há mais seis anos, o biólogo Werlyson Pinheiro, esteve pela primeira vez na Serra das Almas durante o encontro do Vem Passarinhar CE e considera que essa foi uma experiência maravilhosa. “É um lugar extremamente lindo e com uma diversidade de aves incrível, vi e ouvi algumas espécies pela primeira vez lá.”
Manoel Augusto é designer e já é veterano nas passarinhadas pela Serra das Almas. Essa foi a sua terceira vez e recomenda o lugar para a prática: “considero como minha segunda casa, lá me sinto muito acolhido. Os funcionários dão uma aula de hospitalidade. A fauna e flora da reserva é algo surreal. Em pouquíssimos passos nas trilhas nos deparamos com animais ameaçados de extinção como é o caso do grande bando de jacu-verdadeiro (Penélope jacucaca); e do raríssimo caburé- acanelado (Aegolius harrisii).”
Marco Crozariol, biólogo e curador da coleção de aves do Museu de História Natural do Ceará Prof. Dias da Rocha, acredita na observação de aves como prática que estimula a conservação dos animais e destaca que as aves vêm sendo estudadas na Reserva há alguns anos e, ainda assim, foi possível encontrar novos registros para a área.
“Saber que determinadas espécies estão seguras dentro de uma Reserva é um aspecto importante para a conservação. Além disso, as passarinhadas frequentes permitem descobrir quando alguma espécie começa a diminuir sua população e medidas poderão ser tomadas para reverter isso. Fora que os observadores de aves querem os ambientes preservados para que possam encontrar suas espécies-alvo, e assim todos nós acabamos por nos tornar vigias e protetores dos ambientes naturais”, explica.
Ele destaca ainda o potencial do lugar para a observação de outros animais, como mamíferos por exemplo: “a Reserva também é um ótimo local para observar mamíferos, alguns deles muito dificilmente vistos em outras localidades, como a jeritataca (Conepatus semistriatus) que constantemente aparece ao redor do alojamento à noite.”
Guia de Observação de aves
O encontro também foi um momento de divulgar o Guia de Observação da Reserva Natural Serra das Almas, lançado recentemente e que irá direcionar essa atividade diante das informações como as trilhas e quais bichos encontrar em cada uma delas. “É um livro que vem já pronto para um observador de aves chegar à Reserva e fazer um tour bem mais proveitoso”, destaca Portela.
Em sua elaboração, o guia contou com uma pesquisa aprofundada por parte de cientistas da área da Ornitologia e contabilizou 230 espécies de aves nos territórios da Reserva, com a expectativa de que este número possa aumentar.
“O Guia de Aves da Reserva Natural Serra das Almas tem como objetivo gerar e difundir o conhecimento sobre as aves que ocorrem nessa importante região de Caatinga, despertar o interesse pela observação de aves e pela conservação da natureza. A riqueza de aves da Serra das Almas é relativamente bem conhecida. Muitos ornitólogos já fizeram levantamentos nessa área, o que facilita demais esse tipo de trabalho. Além do acréscimo de nove espécies, esse trabalho gerou dados importantes, não só para um guia de aves, mas para a gestão e conservação dessa UC”, resume Fábio Nunes, biólogo que esteve envolvido na elaboração do livro.
Reserva Natural Serra das Almas
A Reserva Natural Serra das Almas (RNSA) é uma Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) e está localizada entre os municípios de Crateús (CE) e Buriti dos Montes (PI). A RNSA é reconhecida pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) como Posto Avançado da Reserva da Biosfera da Caatinga, por abrigar uma representativa área de Caatinga preservada e pela sua interação com as 40 comunidades rurais do seu entorno. São 6.285 hectares de área protegida que resguardam três nascentes, espécies ameaçadas de extinção e que contribuem para a manutenção de serviços ambientais e ecossistêmicos.
Associação Caatinga
A Associação Caatinga (AC) foi fundada em 1998, com o apoio do Fundo Samuel Johnson com a missão de promover a conservação das terras, florestas e águas da Caatinga para garantir a permanência de todas as suas formas de vida. É uma entidade não governamental, sem fins lucrativos, que atua há 22 anos na conservação e valorização dessa floresta brasileira ameaçada e que concentra a maior biodiversidade entre as regiões semiáridas do Planeta.