Animais que se alimentam de frutas podem ajudar a restaurar florestas degradadas
um trecho antes desmatado de floresta, quatro saguis-de-tufo-preto (Callithrix penicillata) correm até uma pilha de bananas dispostas num prato de plástico. Dentro das bananas, estão sementes de uma árvore nativa local, escondidas lá por cientistas. Após uma investigação rápida, os saguis comem as bananas. Depois de satisfeitos, eles se afastam, eventualmente para evacuar a refeição – e, com ela, as preciosas sementes que podem ajudar a restaurar o trecho de Mata Atlântica em recuperação.
Essa foi uma cena capturada por uma armadilha fotográfica num estudo recente publicado na edição de dezembro de 2020 da revista Journal of Applied Ecology. Ele descreve uma nova maneira em potencial para preencher as lacunas da floresta: alistar aves e animais que comem frutas, chamados frugívoros, para espalhar sementes nativas.
Uma das formas mais comuns de restaurar uma floresta é através do plantio direto de mudas ou da semeadura. Esses métodos são muito caros, o que é um grande obstáculo para muitos projetos de restauração.
O novo método pretende ajudar. É “muito simples, muito barato, e bastante efetivo”, diz Cristina García, ecóloga de plantas na Universidade de Liverpool, no Reino Unido, e editora da revista que publicou o estudo. “Em vez de plantar árvores, o que você faz é restaurar o processo ecológico que leva à regeneração natural”, o que costuma funcionar melhor do que o laborioso processo de plantar árvores manualmente, explica García.
Atrair animais com frutas não é algo novo, mas esse estudo apresenta a ideia de usar os animais já presentes na floresta para carregar as sementes de volta ao ambiente. Chamada de “dispersão induzida de sementes” (DIS), a técnica emprega animais comuns para preencher um papel desempenhado por frugívoros mais especializados que podem ter desaparecido dessas áreas. Outros estudos mostraram que animais que comem uma grande variedade de alimentos ainda podem prosperar em ambientes alterados. Por esse motivo, ecólogos brasileiros suspeitam que a DIS poderia funcionar bem em lugares degradados ou parcialmente restaurados.
“Anos atrás, coloquei um comedouro com frutas em frente à minha sala no campus porque gostava de ver os pássaros que vinham para comer banana e mamão”, conta Wesley Silva, ecólogo da Unicamp que liderou o novo estudo. Um dia, observando os pássaros, ele se perguntou: “será que eles poderiam dispersar algumas sementes [escondidas] na polpa da banana?”
O que começou como um “passatempo divertido”, observar pássaros comendo bananas, logo se transformou numa série de experimentos que já dura uma década e que envolveu os alunos de graduação e pós-graduação de Silva.
Os primeiros testes não foram muito científicos. A equipe espalhou comedouros com frutas recheadas de sementes de amaranto, e então montou armadilhas de sementes por perto para ver se conseguia encontrar as sementes nos excrementos das aves. E conseguiu.
Então, para o estudo atual, Silva e seus alunos deram um passo adiante e adotaram uma abordagem sistemática num terreno de 447 hectares nas proximidades. A área fica dentro da Mata Atlântica e é cercada por plantações, áreas suburbanas e trechos de floresta degradada. O próprio local do estudo já foi desmatado para pasto um dia, mas desde então a vegetação voltou a crescer e agora o local abriga uma mistura de espécies nativas e exóticas.
A equipe montou comedouros suspensos, que consistem em plataformas no alto de postes de madeira, além de pratos de plástico para os comedouros no chão. Os cientistas então esconderam sementes de embaúba (Cecropia hololeuca), uma espécie nativa, numa mistura de frutas – tais como banana, mamão e abacate –, primeiro retirando as sementes de quaisquer frutas não nativas.
A embaúba, árvore nativa pioneira da Mata Atlântica, desapareceu do local há décadas. Ela depende de aves e mamíferos para espalhar suas sementes, o que a transformou numa candidata ideal para se reintroduzida na área. Para evitar acostumar os animais com os comedouros, os pesquisadores só colocam as frutas uma vez por semana.
Os pesquisadores também montaram armadilhas fotográficas perto dos comedouros e armadilhas de sementes em torno do local do estudo para encontrar algumas das sementes dispersas pelos frugívoros. Depois de coletar as sementes, os pesquisadores conseguiram germiná-las com sucesso em laboratório, mostrando que elas têm potencial para se desenvolver na natureza.
Pelo menos 24 espécies de mamíferos e aves visitaram os comedouros de frutas, de tucanos (Ramphastos toco) e bem-te-vis (Pitangus sulphuratus) a iraras (Eira barbara) e saguis-de-tufo-preto. Silva ficou surpreso ao ver um logo-guará (Chrysocyon brachyurus) saindo com um caqui, o que inspirou um novo projeto de pesquisa para investigar o comportamento forrageador dos canídeos selvagens na região.
A técnica de DIS precisa de mais desenvolvimento antes que projetos de restauração possam empregá-la, de acordo com uma especialista. Fazer os animais espalharem sementes por uma área ampla é fundamental, “mas uma vez que eles chegam lá, há toda uma série de outros fatores que limitam o desenvolvimento das sementes”, diz Karen Holl, ecóloga de restauração tropical na Universidade da Califórnia, Santa Cruz, que não esteve envolvida no estudo.
“Para afirmar que o método ajudará a restaurar florestas, é preciso demonstrar que ele consegue não só espalhar os animais e as sementes, mas que as sementes de fato se estabelecem, e você precisa comparar isso com áreas onde não está usando esse método.”
Silva reconhece a importância de medir os impactos ao longo do tempo. Seu grupo está planejando um estudo para testar a DIS em uma área maior e documentar se as plantas-alvo de fato voltam a crescer. Para Silva, um ponto fundamental do estudo atual é mostrar que as interações ecológicas complexas entre plantas e animais são essenciais para restaurar e manter um ecossistema totalmente funcional.
Com a DIS, “podemos não só explorar esse aspecto do entretenimento, da alegria de observar pássaros e animais se alimentarem, mas também conscientizar as pessoas de importantes processos naturais como a dispersão de sementes. É importante conectar as pessoas com a natureza através de uma coisa tão simples e familiar.”
Imagem do banner: O lobo-guará (Chrysocyon brachyurus) foi um visitante surpreendente no comedouro do projeto, o que inspirou o pesquisador Wesley Silva, ecólogo da Unicamp, a planejar um projeto de pesquisa sobre o comportamento forrageador da espécie. Imagem de Cloudtail the Snow Leopard via Creative Commons (CC BY-NC-ND 2.0).
Citação:
Silva, W., Zaniratto, C., Ferreira, J., Rigacci, E., Oliveira, J., Morandi, M., … Abreu, L. (2020). Inducing seed dispersal by generalist frugivores: A new technique to overcome dispersal limitation in restoration. Journal of Applied Ecology, 57(12), 2340 -2348. doi: 10.1111/1365-2664.13731