Aprovada implementação de plano para reduzir atropelamentos de fauna na BR-262, no Pantanal
Colisões entre veículos e fauna silvestre em rodovias representam um grande problema na conservação de espécies. No estado do Mato Grosso do Sul, de acordo com dados da Polícia Rodoviária Federal, entre 2007 e 2019, houve 614 acidentes dessa natureza, resultando em vítimas fatais ou feridas.
Além do impacto para a fauna, estas colisões podem causar danos materiais e físicos para pessoas. Em novembro, foi aprovada pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) a implementação do Plano de Mitigação de Atropelamentos de Fauna e Incremento de Conectividade na Rodovia BR-262 entre Aquidauana e Corumbá (MS). O trecho, que compreende o Pantanal sul-mato-grossense, é uma das rodovias que mais atropelam animais silvestres no país.
O Instituto de Conservação de Animais Silvestres (Icas) desenvolve projetos e estudos voltados para a minimização desses impactos sobre a fauna silvestre em diversas rodovias de Mato Grosso do Sul desde 2010. O Fauna News entrevistou o biólogo, pesquisador e presidente do Icas, Arnaud Desbiez, sobre a importância da implementação do plano.
Arnaud Desbiez – O plano de mitigação elaborado pela empresa ViaFauna, em que fomos parceiros de trabalho na sua elaboração, em 2020, é um guia que indica os locais exatos onde tem que ser implementada cada metodologia de mitigação. Então, a grande medida proposta é, principalmente, cercamento das vias, o que ajuda a direcionar os animais para passagens que já existem, como pontes, bueiros, passagem de gado, entre outros. Ou seja, são estruturas que já existem, em sua maioria, mas que precisam de alguma adaptação ou direcionamento. Quando fizemos a pesquisa para identificar esses pontos, colocamos armadilhas fotográficas e detectamos que alguns animais já utilizam esses locais. Em outro estudo que conduzimos no Cerrado, com o monitoramento de 40 tamanduás-bandeira, vimos que somente 1% utilizava estruturas de passagem, de forma aleatória. Então, o cercamento é o principal ponto que ajudará a direcionar a fauna.
Fauna News – Quais as espécies mais impactadas pelo atropelamento na rodovia BR-262, rodovia que contempla o trecho que está englobado no plano de mitigação?
Arnaud Desbiez – Pelo Instituto de Conservação de Animais Silvestres (Icas), realizamos um estudo com três anos de duração no trecho da BR-262 entre Campo Grande e a ponte do rio Paraguai, numa extensão de mais ou menos 340 quilômetros. A coleta de dados foi feita quinzenalmente e o maior índice obtido foi de atropelamento de jacaré-do-pantanal (Caiman yacare), o qual encontramos 874 carcaças. Porém, esse animal acaba sendo atropelado em locais muito específicos e de forma sazonal, já que ele não circula por corredores de vegetação. Além do jacaré, foram 850 carcaças de tatu-peba (Euphractus sexcinctus), quase 700 tatus-galinha (Dasypus novemcinctus), mais de 600 cachorro-do-mato (Cerdocyon thous), mais de 400 capivaras (Hydrochoerus hydrochaeris), 366 tamanduás-mirim (Tamandua tetradactyla) e a espécie-foco do projeto Bandeiras e Rodovias, que é o tamanduá-bandeira (Myrmecophaga tridactyla), com 255 casos.
Além desses, encontramos muitas espécies listadas como vulneráveis à extinção, como a anta (Tapirus terrestris), o macaco-prego (Sapajus sp.), o cervo-do-pantanal (Blastocerus dichotomus), a onça-pintada (Panthera onca), o cachorro-vinagre (Speothos venaticus), o lobo-guará (Chrysocyon brachyurus), a raposinha-do-campo (Lycalopex vetulus), o gato-do-mato-pequeno (Leopardus tigrinus), o gato-maracajá (Leopardus wiedii), o gato-palheiro (Leopardus sp.), a onça-parda (Puma concolor), o tatu-canastra (Priodontes maximus), entre outros.
Fauna News – Quais os principais desafios para a execução desse plano de mitigação? Há muitos obstáculos para que ele saia do papel?
Arnaud Desbiez – Existem muitos desafios para a execução de um plano de mitigação, que envolve desde o custo e a parte da engenharia, mas também um trabalho grande com a comunidade lindeira da rodovia. Por exemplo: pontes são naturalmente passagens de fauna, mas também são utilizadas pela população para pescar. Estar alinhado e entendendo profundamente a comunidade lindeira é fundamental.
Fauna News – Quais as metas esperadas com a implementação desse plano e em quanto tempo se espera atingir esses resultados?
Arnaud Desbiez – Esperamos, realmente, uma grande diminuição do número de colisões veiculares com animais, especialmente com espécies de grande porte, que são muito mais perigosas para os usuários das rodovias. No caso do Pantanal, a anta, a capivara, o tamanduá-bandeira e cervo-do-pantanal. Juntamente com o monitoramento de um ano realizado pela ViaFauna para o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), incluímos dados que o Icas já estava coletando.
O primeiro resultado a curto prazo que tende a acontecer é o cercamento e redução da mortalidade, implementação que deve ser monitorada para verificar se está sendo efetiva. Nunca haverá a resolução de 100% dos atropelamentos, mas as medidas precisam ser colocadas para reduzir o máximo possível os impactos.
Fauna News – Há uma estimativa de quantos tatus-canastra e tamanduás-bandeira, espécies de foco do seu trabalho, já morreram atropelados na BR-262 nesses 11 anos de estudos?
Arnaud Desbiez – Durante estes 11 anos de monitoramento, foram cinco tatus-canastra encontrados atropelados, 255 tamanduá-bandeira, fora 25% de carcaças que desapareciam da estrada por conta de chuva, animais carniceiros, cachorros, entre outros motivos. Há também os animais que morrem longe da estrada após a colisão. Realizamos um monitoramento com radiocolar em 70 tamanduás-bandeira e vimos que sete em cada onze colisões, o animal morria muito longe do ponto onde houve a colisão. O que encontramos de animal atropelado na estrada é apenas a ponta do iceberg. O real impacto sobre a biodiversidade é muito maior.
Fauna News – Há apoio do poder público para resolver a questão dos atropelamentos de fauna?
Arnaud Desbiez – Eu realmente vejo que, ao longo desses anos, teve muita mudança no apoio dos órgãos públicos. Vejo que a Agência Estadual de Gestão de Empreendimentos (Agesul) e o Instituto de Meio Ambiente do Mato Grosso do Sul (Imasul) estão muito cientes do problema. Temos o Fórum “Rota Sustentável criado pelo Ministério Público do Estado com o intuito de reunir pesquisadores e setor público, tomadores de decisão, para se debruçarem sobre o assunto, trazer dados e falar a respeito. Os resultados demoram a aparecer, mas existe o esforço para que se chegue a uma resolução. Em 2021, por exemplo, foi lançado o Manual de Orientações Técnicas para Mitigação de Colisões Veiculares com Fauna Silvestre nas Rodovias Estaduais do Mato Grosso do Sul, fruto desse esforço e parceria. A malha rodoviária de Mato Grosso do Sul está se expandindo, então é uma preocupação não só com a fauna, mas com a segurança dos usuários das rodovias; com a segurança pública.
Fauna News – Sabemos que o Mato Grosso do Sul está em passando por uma expansão econômica, com a instalação de diversas grandes empresas, além de haver planos de crescimento para a exportação de matérias-primas, como a Rota Bioceânica e a Hidrovia Paraguai-Paraná. Essa ampliação aumenta, também, o fluxo de veículos pesados nas rodovias. Como você enxerga esse plano de mitigação sendo aprovado em uma rodovia tão importante que corta o Pantanal?
Arnaud Desbiez – Eu acho uma excelente notícia a aprovação do plano de mitigação na BR-262 que, apesar de não ser a rodovia mais mortal do Estado, já é considerada pela mídia nacional e internacional como a “rodovia da morte”. É uma rodovia com muita visibilidade, por cruzar o Pantanal. Então, se podemos fazer dessa estrada um modelo de medidas mitigatórias, seria absolutamente fantástico. É uma rodovia com grande fluxo de turistas e ver um animal morto atropelado nela é uma imagem muito ruim para o Estado.
Vale lembrar que é uma estrada economicamente importante, principalmente para escoamento de produção pelo rio Paraguai. Se aumentar muito o fluxo de veículos, vai aumentar, consequentemente e comprovadamente, o número de animais mortos. Esperamos que na implementação das medidas mitigatórias ajude a mostrar que há soluções, que não é preciso ser uma “tragédia anunciada”. Sabemos, por meio dos estudos do Icas, exatamente onde estão os trechos de maior risco de atropelamento de fauna. Com a malha viária do Estado crescendo, já solicitamos que o custo de implantação de medidas mitigatórias seja embutido nas obras. Isso representa menos de 5% do custo total das obras. Há meios de se fazer diferente.
Fonte primária: Fauna News