Berço de nascentes do Pantanal perdeu quase metade das áreas naturais
Imagens de satélite analisadas pelo MapBiomas revelam que áreas de preservação permanentes (APPs) do planalto da Bacia do Alto Paraguai (BAP) tiveram quase metade de suas áreas antropizadas até 2021. Apenas nos últimos 37 anos, foram 185 mil hectares de áreas naturais das APPs que sofreram com a ação do homem, o que equivale a 28% de toda a área antropizada na região, que abriga nascentes que abastecem o Pantanal. Isto é o que revela levantamento do MapBiomas, publicado nesta sexta-feira (11).
O estudo concluiu que existe uma grande diferença nos níveis de preservação da BAP, que hospeda tanto a planície do Pantanal quanto a região conhecida como planalto. Até 2021, 83% da planície pantaneira ainda era natural, enquanto no planalto restavam apenas 43% de áreas naturais. Já as áreas ocupadas pela atividade agropecuária na bacia saltaram de 8,5 milhões de hectares em 1985 para 14,7 milhões de hectares em 2021, um aumento de 72,9%.
“As águas, os rios que abastecem o Pantanal, a planície, nascem no planalto. Essa configuração bastante distinta, entre planície e planalto para a bacia do rio Paraguai é determinante para a dinâmica física e biológica do Pantanal”, explica a ((o))eco Alcides Faria, diretor-executivo da ONG Ecoa (Ecologia e Ação), organização que integra o Observatório Pantanal – coalizão composta por 43 instituições socioambientais atuantes na BAP no Brasil, Bolívia e Paraguai.
De acordo com dados da Fundação Brasileira para Desenvolvimento Sustentável (FBDS) compilados pelo MapBiomas, o Pantanal possui mais de 140 mil nascentes, todas situadas no planalto da BAP. Para entender a exposição da região, o MapBiomas analisou quanto da APP de rios e nascentes do planalto já tinham sido expostas à ação do homem. O resultado foi que a antropização nessas áreas saltou de 471 mil hectares em 1985 para 656 mil hectares em 2021, o que corresponde a 43% das APPs do planalto. A antropização inclui principalmente pastagem e agricultura.
“São áreas em torno de nascentes, em torno de rios, que pela lei tinham que ser preservadas e mantidas com a vegetação natural, [mas] já são de uso antrópico, são classificadas como pastagem ou qualquer outra classe de ação antrópica”, conta a ((o))eco Mariana Dias, membro da equipe MapBiomas Pantanal.
Para a Ecoa, eventos climáticos, como a seca, podem se tornar extremos em cenários como o apresentado pelos dados do MapBiomas. “Devido ao desmatamento na parte alta da bacia, o não respeito às APPs e o modelo de agricultura industrial praticado”, acrescenta Faria.
Ação do homem
Na planície do Pantanal, a análise do MapBiomas concluiu que as áreas naturais caíram de 14,4 milhões de hectares em 1985 para 12,5 milhões em 2021. Uma perda de 1,9 milhão de hectares ou 13,1%. Nesse mesmo período, as formações campestres passaram de 1,6 milhão de hectares, em 1985, para 5,7 milhões de hectares, em 2021, um aumento de mais de 25o%. As atividades agropecuárias, por sua vez, que ocupavam 600 mil hectares em 1985 passaram a ocupar 2,8 milhões de hectares em 2021, número quatro vezes maior. Já as florestas e savanas, que ocupavam 6 milhões de hectares em 1985, passaram a ocupar apenas 4,9 milhões de hectares, uma queda de quase 20%.
Eduardo Reis Rosa, coordenador de mapeamento do Pantanal no MapBiomas, conta que a região pantaneira está sofrendo com múltiplos e simultâneos vetores de degradação. “Em nível local vemos um processo de conversão de áreas naturais em pastagens exóticas”, diz ele, ao também mencionar a ocupação do planalto e o desrespeito a nascentes e APPs. “[Isso] está afetando a quantidade e qualidade da água e causando o assoreamento nos rios da planície”.
“Tudo que ocorre na parte alta, no Planalto, tem efeitos diretos sobre a região pantaneira, particularmente as ações antrópicas relacionadas à agricultura e à pecuária”, complementa o diretor-executivo da Ecoa.
Secas mais secas, e cheias menos cheias
No Pantanal, a superfície de água varia sazonalmente. O bioma possui um pulso de inundação que muda durante um ou vários anos, tendo períodos mais secos e mais cheios. Por este motivo, e para que os resultados contemplassem a dinâmica do bioma, os pesquisadores da rede colaborativa fizeram dois tipos de avaliação: entre anos com picos de cheia e de seca. “Picos de seca e de cheia são representativos dessa dinâmica entre os anos, ou seja, anos que são característicos e até extremos de anos secos (como 1986 e 2021) e cheios (1988 e 2018)”, explica Dias.
Considerando esta metodologia, concluiu-se que 2018, que teve 5,1 milhões de hectares de área úmida – área coberta por rios, lagos, campos alagados e área pantanosa –, continua sendo o último ano com cheia significativa. O número, porém, configura uma redução de 29% em relação ao primeiro pico de cheia registrado na série histórica da rede colaborativa, o ano de 1988, que alcançou 7,2 milhões de hectares de cobertura de água.
Quanto ao pico de seca, o ano de 2021, com apenas 1,6 milhões de hectares de área úmida, atingiu o pior patamar desde 1986, que foi o primeiro pico de seca registrado pelo MapBiomas. Naquele ano, 4,7 milhões de hectares tinham sido cobertos por água no Pantanal. O número de 2021 é 66% menor do que o registrado em 1986.
A análise também constatou que as áreas alagadas anualmente por mais de 3 meses também apresentaram tendência de redução. Considerando o mapeamento mensal e os dados de área, tendência e frequência do período de 1985 a 2021, o levantamento concluiu que nos anos mais recentes o bioma apresenta cheias menores, tanto em área quanto em duração.
“Antes essas regiões ficavam alagadas por seis meses no ano e agora essas mesmas regiões ficam alagadas por um, dois meses no ano”, comenta Dias sobre regiões do bioma que possuem a característica de alagar apenas em períodos específicos, e que também estão mudando. A Flourish data visualization
Quanto aos dados apenas de superfície de água – soma apenas de área de rios e lagos, sem campos alagados e área pantanosa –, o Pantanal passou de 2,7 milhões de hectares em 1985 para 530 mil hectares em 2021. Já os campos alagados, caíram de 4 milhões de hectares em 1985 para 1,1 milhão de hectares em 2021.
Para Rosa, a alta frequência na incidência de incêndios contribui para a degradação do Pantanal e dificulta a recuperação natural do bioma. Em nível regional, ele também pontua o avanço de barragens, pequenas centrais hidrelétricas (PCHs), drenos artificiais e estradas, que comprometem o fluxo das águas.
“Em nível nacional, vemos uma maior irregularidade do regime de chuvas gerado pelo desmatamento da Amazônia e o comprometimento de sua capacidade de bombear umidade para a atmosfera. Por fim, o Pantanal também sofre com o agravamento da crise climática”, finaliza o coordenador do MapBiomas.
Por O Eco