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Bromélia é descoberta na Chapada Diamantina

Bromélia é descoberta na Chapada Diamantina
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Ao mesmo tempo em que comemoram o registro de uma nova espécie, pesquisadores temem por sua existência, ameaçada por queimadas e outras interferências humanas

Um estudo pioneiro publicado recentemente no periódico científico Phytotaxa, revelou a descoberta surpreendente de uma nova espécie de bromélia, na Chapada Diamantina, na Bahia. Nomeada como Vriesea serraourensis, a nova bromélia foi encontrada nas áreas do Morro do Ouro e do Morro da Torre, localizadas na divisa entre os municípios de Barra da Estiva e Ituaçu, como resultado de uma expedição realizada em 2022 por pesquisadores botânicos na região.

A expedição foi realizada dentro do Programa Nacional para a Conservação de Espécies Ameaçadas de Extinção (Pró-Espécies) do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), no âmbito Plano de Ação Territorial (PAT) Chapada Diamantina – Serra da Jibóia, coordenado pelo Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema) em colaboração com a Secretaria do Meio Ambiente da Bahia (Sema), além de outras entidades parceiras, que, ao longo dos últimos cinco anos, têm ajudado a proteger espécies ameaçadas na região.

A descoberta é um marco para a botânica, mas também evidencia os riscos que as espécies endêmicas da Chapada Diamantina enfrentam. A Vriesea serraourensis é uma planta rara, encontrada em uma área muito pequena, com menos de 4 quilômetros quadrados, e já classificada como criticamente ameaçada de extinção.

Everton Hilo de Souza, professor do Programa de Pós-graduação em Recursos Genéticos da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) e um dos autores do artigo, relembra que, durante a expedição havia um grupo de 12 pesquisadores de quatro instituições de ensino e pesquisa: UFRB, Jardim Botânico do Rio de Janeiro, Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) e Universidade Federal da Bahia (UFBA). Durante o trabalho, o grupo encontrou uma planta florindo, que inicialmente não foi identificada pela equipe com precisão, limitando-os a classificá-la no gênero Vriesea, embora houvesse suspeita de tratar-se de uma possível nova espécie para a ciência.

“Após um estudo aprofundado das espécies correlatas dentro do gênero, confirmamos que se tratava de uma espécie nova, inédita para a ciência. Para investigar mais detalhadamente, retornei à localidade 15 dias depois para realizar um levantamento sobre o tamanho da população, as ameaças que a afetavam, o florescimento e para fotografar detalhes que auxiliariam na descrição da espécie. Após revisar a literatura e consultar herbários, conseguimos concluir a descrição da nova espécie, que batizamos com o nome do morro onde ela ocorre: Morro do Ouro”, relata o pesquisador.

A espécie já foi descrita e avaliada por especialistas do Centro Nacional de Conservação da Flora (CNCFlora), ligado ao Jardim Botânico do Rio de Janeiro, com seu status de conservação classificado como Criticamente Ameaçada, devido à sua natureza microendêmica, com ocorrência restrita ao Morro do Ouro. A planta ocorre em campo rupestre, associada à vegetação de gramíneas (espécies invasoras) no topo e ao longo das encostas íngremes, onde sua pequena subpopulação está praticamente esgotada e quase localmente extinta. As principais ameaças, como incêndios, espécies invasoras e coleta, têm o potencial de exterminar toda a população caso um único evento adverso ocorra dentro de seu habitat limitado e vulnerável.

A imagem mostra uma paisagem de montanha coberta por vegetação rasteira e pedras espalhadas. A vegetação é composta por arbustos, capim e pequenas árvores, criando uma mistura de tons de verde. Rochas de diversos tamanhos estão distribuídas pelo terreno, algumas parcialmente cobertas por musgo e plantas. Ao fundo, o horizonte revela um vale extenso, com campos, estradas e pequenas cidades visíveis sob um céu parcialmente nublado
A nova bromélia foi encontrada nas áreas do Morro do Ouro e do Morro da Torre, localizadas na divisa entre os municípios de Barra da Estiva e Ituaçu | Foto: Everton Hilo

Peculiaridades

A Vriesea serraourensis é uma bromélia de grande porte, com altura entre 160 e 220 cm, que cresce em solos rasos sobre rochas de quartzito. Suas folhas longas, de 45 a 55 cm, formam uma roseta com 12 a 16 folhas, o que a torna distinta de outras bromélias da região. As flores da planta se abrem à noite, exalando um cheiro semelhante ao de alho, o que indica a possibilidade de polinização por morcegos, como sugerem os pesquisadores.

Para diferenciar a nova espécie das demais já conhecidas pela ciência, o pesquisador explica que, antes de tudo, foi essencial ter um conhecimento aprofundado das espécies presentes na região e das já descritas dentro do gênero de Bromeliaceae em questão. Com base nesses estudos preliminares, foi necessário identificar características distintas da nova espécie em relação às espécies mais semelhantes. A partir disso, realiza-se a diagnose, que consiste em uma comparação detalhada entre a possível nova espécie e a mais próxima já descrita no gênero.

A análise deve ser abrangente e incluir a descrição de várias características botânicas. Entre elas, destacam-se a morfologia da planta, como tamanho, forma e disposição das folhas, bem como a cor e a presença de espinhos ou escamas. Além disso, é fundamental observar características da inflorescência, flores, frutos e sementes, uma descrição detalhada de todas as características.

“Outros aspectos também são importantes para a diferenciação, como o habitat e a distribuição geográfica da espécie. Algumas bromélias podem ser endêmicas de regiões específicas, como nesse caso, a Vriesea serraourensis E.H.Souza & Leme ocorre apenas nessa região. O comportamento ecológico, incluindo a interação com polinizadores, pode ser outro fator relevante para identificar a nova planta. Combinando essas abordagens, é possível caracterizar adequadamente a nova espécie e diferenciá-la das outras bromélias conhecidas”, detalha.

A imagem mostra uma paisagem de montanha com uma bromélia em destaque no primeiro plano. A planta possui folhas longas e verdes, algumas com tons amarronzados, e uma inflorescência seca e alta, com folhas marrons serrilhadas ao longo do caule. Ao redor da bromélia, há outros arbustos e plantas nativas da região, criando um ambiente de vegetação típica de altitude. Ao fundo, o vale revela um mosaico de campos cultivados, estradas de terra e formações montanhosas, com tons de verde e marrom contrastando com o céu parcialmente nublado
Foi necessário um longo período de análise para diferenciar a espécie das demais já descritas na região | Foto: Everton Hilo

Ameaças

Apesar do entusiasmo com a descoberta, Everton Hilo alerta sobre os desafios que a Vriesea serraourensis enfrenta para sobreviver. A planta está localizada em uma área muito restrita, o que a torna vulnerável a diversas ameaças. Entre elas, destacam-se os incêndios, muitas vezes provocados por atividades humanas, a expansão da agricultura, a invasão de gramíneas exóticas e o turismo desordenado. Além disso, a planta é constantemente ameaçada por rituais religiosos realizados no topo da serra e pela coleta ilegal para o comércio.

“Esse tipo de descoberta pode ter um grande impacto nos esforços de conservação, principalmente para a Chapada Diamantina, que possui uma biodiversidade impressionante”, afirma Hilo. A identificação de uma nova espécie de bromélia, especialmente uma ameaçada, pode ajudar a direcionar ações específicas de preservação, como a criação de áreas protegidas ou programas de monitoramento. Hilo também destacou que a descoberta pode atrair mais visibilidade e investimentos para a região, de modo a fortalecer os esforços de conservação e promover a educação ambiental.

Urgência da proteção

Embora a descoberta tenha sido um avanço para a ciência, a área onde a Vriesea serraourensis ocorre ainda carece de medidas de proteção efetivas. Segundo Hilo, a região não possui controle de acesso, o que facilita a degradação do ambiente. Para ele, a solução seria a criação de uma Unidade de Conservação, como um Parque Municipal ou uma Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN), que garantisse a preservação da espécie e de seu ecossistema, além de promover a educação ambiental.

O pesquisador também alerta sobre as ameaças diretas à vegetação local, como o fogo e o turismo indiscriminado. Ele observou que a comunidade local já está ciente da existência da nova espécie, mas que é fundamental que medidas concretas sejam adotadas para garantir sua preservação: “A comunidade de Barra da Estiva já conhece a espécie, e espero que se envolva em ações objetivas para a conservação, não apenas dessa bromélia, mas também de outras espécies que compartilham o mesmo habitat”.

Colaboração Interinstitucional

A preservação da biodiversidade da Chapada Diamantina depende de uma estreita colaboração entre instituições de pesquisa, órgãos governamentais e a comunidade local. O trabalho conjunto entre o Inema, a Sema, universidades e outras entidades tem sido fundamental para fortalecer os esforços de proteção ambiental na região. Para Everton Hilo, a cooperação interinstitucional é essencial para lidar com a complexidade e a diversidade da Chapada Diamantina, além de garantir a execução de programas de monitoramento e fiscalização.

Por fim, ele destaca a importância do envolvimento do poder público municipal nas ações de conservação: “para que as ações de proteção ambiental sejam sustentáveis, é crucial o apoio contínuo e ativo do poder público local, que pode contribuir com medidas de fiscalização e engajamento da comunidade”.

A descoberta da Vriesea serraourensis serve como um lembrete da urgência em proteger as espécies ameaçadas e preservar a rica biodiversidade da Chapada Diamantina. A colaboração entre cientistas, governos e a sociedade civil será decisiva para garantir que essa nova bromélia e muitas outras espécies ameaçadas possam continuar a existir na natureza.

Plano de Ação Territorial

A expedição que resultou na descoberta da nova espécie fez parte do Plano de Ação Territorial (PAT) Chapada Diamantina – Serra da Jiboia. Esse plano, coordenado por Sara Alves, especialista do Inema, foi implementado em 2020 com o objetivo de proteger a biodiversidade da região. Ele abrange 56 municípios e uma área de cerca de 3,9 milhões de hectares, com foco na preservação de 27 espécies-alvo, das quais 24 são da flora e 3 da fauna.

Além disso, o plano também visa proteger outras 339 espécies, consideradas “beneficiadas” pela presença das espécies alvo em seu habitat. Sara Alves explica que um dos principais objetivos do PAT é promover a pesquisa científica na região, com foco na taxonomia, ecologia e biologia das espécies ameaçadas. “Uma das ações do plano envolve o mapeamento de áreas para realizar ações de conservação, além de expedições científicas para encontrar essas espécies alvo, todas classificadas como Criticamente em Perigo”, afirma.

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Trajano Xavier

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