Caranguejos-eremitas estão a fazer do lixo humano as suas novas casas
Os caranguejos-eremitas são crustáceos associados a ambientes marinhos e costeiros conhecidos por usarem conchas de outros animais para se protegerem dos ataques de predadores, especialmente o seu abdómen que não está revestido pela camada rígida de exosqueleto que cobre o restante corpo.
Normalmente, estes animais preferem usar as conchas de gastrópodes marinhos, mas uma equipa de investigadores acredita que esse comportamento poderá estar a mudar devido à poluição que afeta os mares e oceanos, causada pelos humanos.
Através da análise de fotografias de caranguejos-eremitas da família Coenobitidae, carregadas em plataformas digitais, como o Flickr, o iNaturalist, o Google Images e o YouTube, o trio de cientistas diz que estamos perante o que considera ser “a emergência de um novo comportamento” desses invertebrados no que toca à procura de uma nova ‘casa’. A principal conclusão, e que gera grande preocupação entre os autores, é o facto de parecer que esses animais estão cada vez mais a usar resíduos de plástico que encontram no fundo do mar, bem como objetos de vidro e metal, como ‘armadura’.
Entre as fotografias analisadas, e que serviram de suporte ao estudo, cujos resultados foram apresentados na revista ‘Science of the Total Environment’, veem-se caranguejos-eremitas a usarem tampas de plástico e até casquilhos de lâmpadas como se fossem conchas.
Os cientistas sugerem que a abundância de resíduos produzidos pelos humanos e “o declínio das populações de moluscos a nível mundial”, com a consequência redução das conchas de gastrópodes, fazem com que haja maior disponibilidade de abrigos artificiais. Escrevem, no artigo, que “assim, para encontrarem a concha mais adequada, poderá ser menos energeticamente dispendioso encontrar uma concha artificial do que uma natural”.
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Marta Szulkin, da Universidade de Varsóvia e uma das autoras, afirma, em comunicado, que “nas fotografias, descobrimos um total de 386 indivíduos a usarem ‘conchas artificiais’, sobretudo tampas de plástico, mas também feitas de gargalos partidos de garrafas de vidro ou de casquilhos metálicos de lâmpadas”.
E a investigadora, que se autointitula de ‘bióloga do Antropoceno’, estima que “10 em cada 16 espécies de caranguejos-eremitas terrestres em todo o mundo usam este tipo de abrigo” e que “este comportamento invulgar é observado em todas as regiões tropicais da Terra”.
A equipa considera que a preferência por conchas artificiais poderá vir a ter impactos nas “trajetórias evolucionárias de longo-prazo” deste grupo de crustáceos, uma vez que as conchas desempenham papéis importantes na sua reprodução e seleções natural e sexual.
Como as conchas feitas de lixo humano tendem a ser mais leves e mais vistosas do que as feitas a partir de materiais naturais, os cientistas sugerem que isso poderá favorecer os caranguejos-eremitas que usem esses objetos antropogénicos, uma vez que “novos fenótipos são frequentemente preferidos pelas fêmeas”.
Mas ainda há muitas perguntas sem resposta. Desde logo, sobre quais os impactos dessas conchas artificiais na ecologia e na própria evolução dos caranguejos-eremita, e sobre se realmente ajudam o animal a proteger-se de ataques de predadores ou se, ao invés, os torna mais vulneráveis à predação.
“Estão as conchas artificiais a criar as condições para uma nova trajetória evolutiva dos caranguejos-eremitas ou serão elas uma armadilha ecológica e evolucionária do Antropoceno?”, questionam no artigo, podendo levar este grupo de crustáceos a fazer adaptações que podem ser mais prejudiciais do que benéficas para a sua sobrevivência.