Cientistas buscam ancestrais de plantas para evitar extinção por mudanças climáticas
Um mundo sem chocolate? Uma pausa sem café? Sushi sem arroz? As hipóteses parecem malucas, mas diante da ameaça das mudanças climáticas, especialistas começaram a rastrear com urgência os ancestrais selvagens das plantas que fazem parte da nossa dieta.
Quando “espécies ameaçadas” são mencionadas, ursos polares, pandas, ou elefantes, são frequentemente lembrados, e a flora é esquecida. “Há coisas que consideramos certas”, afirma Aaron Davis, cientista do Kew Royal Botanic Gardens, no Reino Unido.
O aquecimento global tem consequências para culturas tão essenciais como cereais, café, chá, cacau, ou banana. Algumas dessas espécies, como batata e arroz, são essenciais na dieta de bilhões de seres humanos.
Segundo um estudo publicado em maio de 2021, pelo menos um terço da produção agrícola estaria ameaçado. As plantações de arroz, por exemplo, seriam diretamente ameaçadas pela elevação do nível do mar, que aumenta a salinidade nos deltas.
O Centro Internacional da Batata prevê uma queda de 32% nas safras até 2060. Em relação ao café e ao cacau, diversos estudos projetam uma queda significativa na área das lavouras, entre agora e 2050, e de até 50%, no caso do café.
Por mais de 10 mil anos, a humanidade usou técnicas de cultivo seletivo para adaptar espécies de plantas ao uso agrícola em um determinado ambiente. Este ambiente está mudando rapidamente, porém, e talvez seja a hora de recuperar as versões originais “selvagens”. “Quando você seleciona as ‘melhores’ (espécies), necessariamente perde alguns genes. Perdemos a diversidade genética”, explica Benjamin Kilian, da fundação Crop Trust.
Consequentemente, “a capacidade dessas culturas de se adaptarem às mudanças climáticas, ou a outros desafios, é necessariamente limitada”, acrescenta.
Com o aumento das temperaturas, “precisaremos usar o máximo de biodiversidade possível, para reduzir riscos e oferecer diferentes opções”, reforça Marleni Ramírez, especialista do consórcio internacional de pesquisa agrícola CGIAR.
Muito tarde?
O primeiro obstáculo ao uso de características genéticas ancestrais, como maior resistência à salinidade, ou ao calor, é ter acesso a essas versões selvagens. Existem bancos de sementes genéticas, como o Kew Millenium Seed Bank, que coleta e armazena os grãos de quase 40 mil espécies de plantas selvagens na Inglaterra. “Mas não estão representadas todas as espécies selvagens”, diz Benjamin Kilian. Assim, são necessários botânicos especializados para uma tarefa longa e cara.
Entre 2013 e 2018, o Crop Trust coletou mais de 4,6 mil amostras de 371 variedades silvestres de 28 culturas prioritárias, como arroz, trigo, batata-doce, banana e maçã. Já Aaron Davis e seus colegas encontraram uma espécie selvagem de café em Serra Leoa, mais forte e mais resistente ao aquecimento do que a sensível arábica. “Se tivéssemos ido até lá dez anos depois, provavelmente já estaria extinta”, estima. “Das 124 espécies conhecidas de café, 60% estão ameaçadas de extinção”, alerta.
Os cafezais não são os únicos afetados. Em quatro países da América Central, por exemplo, região que é berço de muitas lavouras, 70 espécies silvestres de plantas essenciais para alimentação – como milho, batata, abacate e abóbora – estão ameaçadas de extinção, ou seja, 35% das plantas analisadas, revela um estudo recente.
Os especialistas temem que seja tarde demais. Além disso, uma vez encontrado e coletado, o trabalho não está concluído. As variedades não estão necessariamente prontas para o cultivo em grande escala. Então, ainda será preciso testá-las. E “isso pode levar 10, 15, 20 anos”, se a engenharia genética não for utilizada, adverte Benjamin Killian. No caso da batata, o desenvolvimento de uma nova variedade pode levar até 100 anos.
AFP