Como a produção de algas pode criar um futuro sustentável
Lagos esverdeados onde flutuam gosmas de textura viscosa, que impedem a passagem da luz e deixam a superfície opaca, escondendo o fundo. Esse cenário pouco convidativo, que lembra o despejo de esgoto a céu aberto das grandes cidades brasileiras, é proposital e tem fins comerciais. O objetivo é criar um habitat ideal para a proliferação dos organismos que colorem a água de verde: as algas.
Ao contrário da agricultura tradicional, as fazendas de algas não precisam de terras férteis. Elas podem ser instaladas tanto no mar quanto em terrenos improdutivos. Ao invés de sementes, células selecionadas são incubadas e cultivadas nos tanques. Neles, a água irá fornecer os nutrientes necessários para o desenvolvimento do organismo. Na hora da colheita, os tratores são substituídos por filtros e peneiras.
A produção de algas está aumentando globalmente, guiada pelo crescimento deste mercado na Europa e nos Estados Unidos. Elas estão ganhando espaço na indústria de alimentos, produção de biocombustíveis e fertilizantes e na substituição da soja. A última, com especial relevância para o contexto brasileiro pela possibilidade de redução das emissões de metano na produção de carne bovina. Isso porque, quando utilizadas na dieta dos bois, as algas podem reduzir em até 98% a quantidade de gás produzido na digestão desses animais.
Algas contra o metano
As algas podem ser um grande aliado para o combate às emissões do metano, gás que contribui para o efeito estufa. Esse poluente é gerado no processo digestivo dos ruminantes, na fase de fermentação entérica, e a dieta à base de algas aparece como uma das alternativas para a redução deste efeito. O que acontece é que algumas espécies desses vegetais aquáticos, especialmente o grupo das algas vermelhas, possuem bromofórmio e clorofórmio, substâncias que combatem a formação do gás.
Em 2020, pesquisadores da Nova Zelândia e Austrália demonstraram que a introdução das Asparagopsis taxiformis, tipo de alga vermelha, na dieta de bois de corte foi capaz de reduzir de 40% a 98% do metano emitido durante a digestão desses animais. O que aconteceu sem prejuízos no desenvolvimento e, ainda, ganho de peso. O estudo faz parte de uma série de pesquisas ao redor do mundo que investigam o uso de algas na criação de gado. Desde o início do ano, a Fonterra, cooperativa de produção de leite neozelandesa, começou a implementar a Asparagopsis taxiformis na nutrição de animais com finalidade comercial.
No Brasil, a emissão de metano é um grande desafio. Na COP 26, o país assinou o compromisso de redução de 30% das emissões do gás para a próxima década. Com 218,2 milhões cabeças de gado, segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) de 2020, o país tem maior rebanho comercial do mundo. Isso faz com que quase um quarto do metano brasileiro saia da fermentação entérica dos animais. Por essa razão, a melhora na nutrição do gado é uma das frentes apontadas por especialistas para o alcance da meta de redução.
Supercomida, biocombustíveis, fertilizantes e outras aplicações
O uso de algas como alimento, por exemplo, não é novidade. Achados arqueológicos indicam que o ingrediente faz parte da dieta humana há milhares de anos, um hábito que persiste, sobretudo, na culinária tradicional do sudeste asiático. Mas agora, o alimento está ganhando espaço em outros países.
No continente europeu, a União Europeia tem feito um grande esforço para apoiar o setor de alga. No COM21, documento produzido pelo Comitê Europeu que estabelece diretrizes para o desenvolvimento da economia azul, ou seja, das atividades econômicas nos oceanos, as algas são reconhecidas pelo seu potencial para fornecer uma série de aplicações sustentáveis. O texto apela para a adoção de uma iniciativa específica para o desenvolvimento da indústria de algas na região até o fim de 2022.
O valor nutricional das algas varia de espécie a espécie. Especialistas avaliam que alguns exemplares, como a alga verde unicelular Chlorella, contém até 70% de proteína em peso seco, ou seja, do peso do organismo após ser retirada toda a sua água em laboratório. Essas microalgas também têm um perfil de aminoácidos que se compara com o ovo, contendo todos os aminoácidos essenciais. Por essas razões, o alimento é apresentado como uma potente alternativa à carne e à soja.
As algas, em especial as microalgas, ou seja, as espécies microscópicas que vivem normalmente em colônias, são usadas como fonte para a produção de biocombustíveis. Elas possuem um potencial de crescimento rápido, com uma elevada produção de óleo e não competem com a agricultura tradicional na demanda por terras férteis, como acontece com a cana-de-açúcar e o milho, outras fontes de biocombustíveis. Nos Estados Unidos, a indústria do “combustível de algas” é um mercado em expansão, com projeções para alcançar o valor de 15.39 bilhões de dólares até 2030.
Uma outra aplicação que está ganhando espaço é o uso das macroalgas como fertilizante. Esse grupo de algas são aquelas visíveis ao olho nu. No Brasil, as fazendas marinhas voltadas para produção de macroalgas no litoral estão recebendo investimentos por seu potencial de atender à demanda dos produtores de soja, que estão sofrendo com a falta do produto em razão da Guerra na Ucrânia.
Além da indústria de alimentos e da produção de biocombustível e fertilizantes, as algas são objeto de outras inovações. Uma startup do Colorado, por exemplo, está produzindo cimento à base de microalgas. Seu criador, Will Derrubar, defende que o material é “neutro em carbono” e tem potencial para substituir a versão tradicional pois não usa o processo de fabricação da indústria do cimento e tem um ser vivo fotossintetizante como matéria prima.
Fonte: Nexo