Corais e anêmonas do mar transformam protetor solar em toxina
Embalagens de protetor solar são frequentemente rotuladas como “amigas dos recifes” e “seguras para os corais”. Essas alegações geralmente significam que as loções substituíram a oxibenzona – um produto químico que pode prejudicar os corais – por outra coisa. Mas esses outros produtos químicos são realmente mais seguros para os recifes do que a oxibenzona?
Essa questão levou a nós, dois químicos ambientais, nos unirmos a biólogos que estudam anêmonas do mar como modelo para corais. Nosso objetivo era descobrir como o protetor solar prejudica os recifes para que pudéssemos entender melhor quais componentes dos protetores solares são realmente “seguros para os corais”.
Em nosso novo estudo, publicado na Science, descobrimos que quando corais e anêmonas do mar absorvem oxibenzona, suas células a transformam em fototoxinas, moléculas que são inofensivas no escuro, mas se tornam tóxicas sob a luz solar.
Protegendo as pessoas, prejudicando os recifes
A luz solar é feita de muitos comprimentos de onda diferentes de luz. Comprimentos de onda mais longos – como a luz visível – são tipicamente inofensivos. Mas a luz em comprimentos de onda mais curtos – como a luz ultravioleta – pode passar pela superfície da pele e danificar o DNA e as células. Protetores solares, incluindo oxibenzona, funcionam absorvendo a maior parte da luz UV e convertendo-a em calor.
Os recifes de coral em todo o mundo sofreram nas últimas décadas com o aquecimento dos oceanos e outros fatores de estresse. Alguns cientistas pensaram que os protetores solares provenientes de nadadores ou de descargas de águas residuais também poderiam estar prejudicando os corais. Eles conduziram experimentos de laboratório que mostraram que concentrações de oxibenzona tão baixas quanto 0,14 mg por litro de água do mar podem matar 50% das larvas de coral em menos de 24 horas. Embora a maioria das amostras de campo normalmente tenha concentrações mais baixas de protetor solar, um recife de mergulho popular nas Ilhas Virgens dos EUA tinha até 1,4 mg de oxibenzona por litro de água do mar – mais de 10 vezes a dose letal para larvas de corais.
Provavelmente inspirados por esta pesquisa e vários outros estudos que mostram danos à vida marinha, os legisladores do Havaí votaram em 2018 para proibir a oxibenzona e outro ingrediente em protetores solares. Logo depois, legisladores em outros lugares com recifes de coral, como Ilhas Virgens, Palau e Aruba, implementaram suas próprias proibições.
Ainda há um debate aberto se as concentrações de oxibenzona no ambiente são altas o suficiente para danificar os recifes. Mas todos concordam que esses produtos químicos podem causar danos sob certas condições, portanto, é importante entender seu mecanismo.
Protetor solar ou toxina
Embora as evidências de laboratório tenham mostrado que o protetor solar pode prejudicar os corais, pouca pesquisa foi feita para entender como. Alguns estudos sugeriram que a oxibenzona imita os hormônios, interrompendo a reprodução e o desenvolvimento. Mas outra teoria que nossa equipe achou particularmente intrigante foi a possibilidade de que o filtro solar se comportasse como uma toxina ativada pela luz nos corais.
Para testar isso, usamos as anêmonas do mar que nossos colegas criam como modelo para os corais. As anêmonas do mar e os corais estão intimamente relacionados e compartilham muitos processos biológicos, incluindo uma relação simbiótica com as algas que vivem dentro deles. É extremamente difícil realizar experimentos com corais em condições de laboratório, então as anêmonas são tipicamente muito melhores para estudos baseados em laboratório como o nosso.
Colocamos 21 anêmonas em tubos de ensaio cheios de água do mar sob uma lâmpada que emite todo o espectro da luz solar. Cobrimos cinco das anêmonas com uma caixa feita de acrílico que bloqueia os comprimentos de onda exatos da luz UV que a oxibenzona normalmente absorve e interage. Em seguida, expusemos todas as anêmonas a 2 mg de oxibenzona por litro de água do mar.
As anêmonas sob a caixa de acrílico eram nossas amostras “escuras” e as fora dela nossas amostras de controle “claras”. As anêmonas, como os corais, têm uma superfície translúcida, então, se a oxibenzona estivesse agindo como uma fototoxina, os raios UV que atingem o grupo claro desencadeariam uma reação química e matariam os animais – enquanto o grupo escuro sobreviveria.
Fizemos o experimento por 21 dias. No sexto dia, a primeira anêmona do grupo claro morreu. No dia 17, todos eles haviam morrido. Em comparação, nenhuma das cinco anêmonas do grupo escuro morreu durante as três semanas inteiras.
Metabolismo converte oxibenzona em fototoxinas
Ficamos surpresos que um protetor solar estava se comportando como uma fototoxina dentro das anêmonas. Fizemos um experimento químico com oxibenzona e confirmamos que, por si só, ele se comporta como protetor solar e não como fototoxina. É somente quando o produto químico foi absorvido pelas anêmonas que se tornou perigoso sob a luz.
Sempre que um organismo absorve uma substância estranha, suas células tentam se livrar da substância usando vários processos metabólicos. Nossos experimentos sugeriram que um desses processos estava transformando a oxibenzona em uma fototoxina.
Para testar isso, analisamos os produtos químicos que se formaram dentro das anêmonas depois de as expormos à oxibenzona. Aprendemos que nossas anêmonas haviam substituído parte da estrutura química da oxibenzona – um átomo de hidrogênio específico em um grupo álcool – por um açúcar. Substituir átomos de hidrogênio em grupos de álcool por açúcares é algo que plantas e animais costumam fazer para tornar os produtos químicos menos tóxicos e mais solúveis em água, para que sejam mais fáceis de excretar.
Mas quando você remove esse grupo álcool da oxibenzona, a oxibenzona deixa de funcionar como protetor solar. Em vez disso, ele retém a energia que absorve da luz UV e inicia uma série de reações químicas rápidas que danificam as células. Em vez de transformar o filtro solar em uma molécula inofensiva e fácil de excretar, as anêmonas convertem a oxibenzona em uma potente toxina ativada pela luz solar.
Quando realizamos experimentos semelhantes com corais cogumelos, descobrimos algo surpreendente. Embora os corais sejam muito mais vulneráveis a estressores do que as anêmonas do mar, eles não morreram de oxibenzona e exposição à luz durante todo o nosso experimento de oito dias. O coral produziu as mesmas fototoxinas da oxibenzona, mas todas as toxinas foram armazenadas nas algas simbióticas que vivem no coral. As algas pareciam absorver os subprodutos fototóxicos e, ao fazê-lo, provavelmente protegeram seus hospedeiros corais.
Suspeitamos que os corais teriam morrido das fototoxinas se não tivessem suas algas. Não é possível manter corais sem algas vivos no laboratório, então fizemos alguns experimentos com anêmonas sem algas. Essas anêmonas morreram cerca de duas vezes mais rápido e tinham quase três vezes mais fototoxinas em suas células em comparação com as mesmas anêmonas com algas.
Branqueamento de corais, protetores solares ‘seguros para corais’ e segurança humana
Acreditamos que há algumas conclusões importantes de nosso esforço para entender melhor como a oxibenzona prejudica os corais.
Primeiro, os eventos de branqueamento de corais – nos quais os corais expelem suas algas simbiontes por causa das altas temperaturas da água do mar ou outros estressores – provavelmente deixam os corais particularmente vulneráveis aos efeitos tóxicos dos protetores solares.
Em segundo lugar, é possível que a oxibenzona também seja perigosa para outras espécies. Em nosso estudo, descobrimos que as células humanas também podem transformar a oxibenzona em uma potencial fototoxina. Se isso acontecer dentro do corpo, onde nenhuma luz pode chegar, não é um problema. Mas se isso ocorrer na pele, onde a luz pode criar toxinas, pode ser um problema. Estudos anteriores sugeriram que a oxibenzona pode representar riscos à saúde das pessoas, e alguns pesquisadores recentemente pediram mais pesquisas sobre sua segurança.
Finalmente, os produtos químicos usados em muitos protetores solares alternativos “seguros para recifes” contêm o mesmo grupo de álcool que a oxibenzona – portanto, também podem ser convertidos em fototoxinas.
Esperamos que, em conjunto, nossos resultados levem a protetores solares mais seguros e ajudem a unir os esforços para proteger os recifes.
Fonte: The Conversation / Djordje Vuckovic e Bill Mitch
Tradução: Redação Ambientebrasil / Maria Beatriz Ayello Leite
Para ler a reportagem original em inglês acesse: https://theconversation.com/corals-and-sea-anemones-turn-sunscreen-into-toxins-understanding-how-could-help-save-coral-reefs-182311