De cambuci a uvaia, conheça 5 frutos em risco de extinção no bioma de Mata Atlântica
Cambuci: de sabor bastante ácido, o fruto é rico em vitamina C e uma excelente fonte de antioxidantes – Glenn Makuta |
A Mata Atlântica é a segunda maior floresta em extensão do Brasil, mas também um dos biomas que mais sofre com o desmatamento. Originalmente, a floresta ocupava 1,3 milhão de quilômetros quadrados — hoje restam apenas 7% da cobertura original, distribuídos em 17 estados.
Sob ameaça constante, provocada principalmente pela exploração descontrolada, o bioma tem diversas frutas nativas em ameaça de extinção.
Selecionamos cinco dessas frutas que, embora sejam de alta produtividade, correm o risco de desaparecer das matas brasileiras.
Para Ligia Meneghello, Coordenadora de Programas e Conteúdo da Associação Slow Food Brasil, um dos principais empecilhos para o consumo dessas frutas nativas — e sua preservação — é a falta de valorização dos produtos nacionais e a padronização da alimentação.
“A gente acaba comendo banana, maçã, manga, laranja e conhece pouco sobre as nossas frutas, valorizamos mais o que vem de fora em vez dos frutos da nossa terra. Acho que tem um pouco a ver com a colonização da nossa alimentação também”, diz.
Ela ainda reforça que isso faz com que muitas pessoas não saibam como consumir esses produtos. “É preciso ensinar como usar e os potenciais gastronômicos de cada uma delas”, afirma.
Para Meneghello, há ainda outro obstáculo para as frutas nativas: seu curto período de viabilidade germinativa. “Todos eles são de alta produtividade, mas muitos possuem rápida degradação e isso é um complicador para a comercialização da fruta in natura. Apesar disso, seguem ótimas congeladas e para polpas”.
Ela afirma que o consumo desses frutos é essencial para a manutenção do bioma e para evitar sua contínua degradação. “A gente consegue ajudar a fomentar a cadeia alimentar e manter essas espécies existentes quando a gente as conhece, quando olha, prova, se vincula, entende as dinâmicas territoriais e culturais das quais elas fazem parte. Tudo isso contribui para que a gente se engaje em ações de conservação.”
Conheça cinco frutos que estão sob ameaça de extinção na Mata Atlântica.
Cambuci – Campomanesia phaea
Primo da goiaba e da pitanga, o nome do fruto dá uma dica sobre o formato: vem do tupi kamu’si, que significa vaso ou pote de argila, geralmente usado para armazenar água. O fruto, de cor esverdeada, tem o formato de uma vasilha, mas também lembra o de um disco voador. Quando está no ambienta nativo, serve de alimento para aves, roedores e macacos, mas suas sementes têm tempo curto para serem germinadas, o que dificulta a reprodução dos cambucizeiros e prejudica a manutenção da espécie nas matas.
De sabor bastante ácido, o fruto é rico em vitamina C e uma excelente fonte de antioxidantes. Apesar da acidez, o agricultor Junior Magini, do Recanto Magini, especializado na plantação de frutas nativas, afirma que a fruta tem grande potencial para a gastronomia. “Pode ser usado na cachaça, como geleia, licores, vinagres, compotas e muitos outros fins”, afirma.
A região de Paranapiacaba, na Serra do Mar, é conhecida pelas cachaças feitas com cambuci – uma prática que remonta aos tempos coloniais. A fruta também já chegou a batizar um dos bairro da capital paulista pela quantidade de árvores presentes na região do Cambuci. Hoje, poucos exemplares restaram, pois muitas árvores apodreceram ou foram cortadas na cidade, e também nas florestas.
Juçara é considerada a “rainha da Mata Atlântica” – Recanto Magini |
Juçara – Euterpe edulis
Espécie chave para o bioma, a palmeira juçara, muito procurada pelos animais, é considerada a “rainha da Mata Atlântica”. Apesar disso, a extração ilegal do seu palmito a colocou no rol das espécies em risco de extinção. Isso porque, ao contrário do seu parente açaizeiro, ela é uma planta de tronco único – e portanto, é preciso derrubar a árvore para retirar o palmito.
Mas assim como o açaí, a juçara também dá um fruto de cor roxa, em formato de coquinho – e sua extração e consumo garantem a manutenção das árvores em pé. Pela semelhança com o fruto amazônico, tanto no formato como no sabor, a fruta da juçara está sendo chamada de “açaí da Mata Atlântica”.
Diversos projetos tentam preservar as palmeiras remanescentes e explorar o potencial comercial e gastronômico de seus frutos. Para o agricultor Douglas Bello, do Sitio do Bello, especializado na produção e comercialização de frutas nativas, o uso é parecido com o do açaí. “Pode ser usada em vitaminas, batido, e também como geleia”.
Além disso, ele reforça que a juçara também tem os mesmos princípios estimulantes procurados no açaí e é rica em ferro.
Uvaia se transforma em sucos, sorvetes e geleias – Kenia Bahr |
Uvaia – Eugenia pyriformis
“Fruta ácida” é a tradução do nome “uvaia” em tupi. Da família das Mirtaceas, como muitas outras frutas do bioma, é parente da jabuticaba e da pitanga e é polinizada principalmente por abelhas. Muito perecível, seu transporte deve ser feito com cuidado para que a fruta não estrague.
De sabor intenso, o fruto é bastante suculento, por isso seus principais usos gastronômicos são os sucos, sorvetes e geleias. Pela acidez e textura, também é utilizada em doces, e para compor vinagres, vinhos e kombuchas. Um preparo bem conhecido na região da Serra do Mar é o chamado “uísque tropeiro”, que mistura a uvaia com o Cambuci, curtidos em cachaça.
Araçá vermelha: além da fruta, a árvore, muito comum nos pomares domésticos da região da Serra do Mar, também é procurada pela madeira e sua casca usada para curtir peles – Slow Food Brasil |
Araçá – Psidium cattleianum
Parente próximo da goiaba, o araçá dá nome a diversas espécies: há o verde, vermelho, amarelos e roxo, todos eles do gênero Psidium. As árvores do araçazeiro podem chegar a até seis metros, dependendo do tipo.
Assim como a goiaba, os frutos possuem muitas sementes, mas são menores, de tamanho semelhante ao das jabuticabas. Rico em vitamina C, os araçás costumam ser agridoces, misturando acidez e doçura.
Além da fruta, a árvore, muito comum nos pomares domésticos da região da Serra do Mar, também é procurada pela madeira e sua casca usada para curtir peles.
Cereja do Rio Grande tem sabor doce e intenso – Beatriz Bello/ Sítio do Bello |
Cereja do Rio Grande – Eugenia aggregata
Também conhecida como “falsa cereja” ou “cereja do mar”, a fruta é mais oval que a cereja tradicional, mas tem a aparência semelhante, e também é composta de uma semente única e grande. Suas flores, brancas e numerosas, são bastante usadas na indústria de perfumes.
A árvore pode chegar a 10 metros de altura e é procurada para fins ornamentais, pela beleza das flores e dos frutos e também usada em reflorestamentos e recuperação de áreas degradadas pois os frutos atraem muitos pássaros.
Os frutos têm sabor doce e intenso, e têm as cores como a da cereja tradicional, que variam do vermelho intenso ao roxo. Podem ser ingeridas in natura e no preparo de caldas, doces e licores.
Por Néli Pereira
Fonte: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-57262870