Estudo mostra eficácia de planta aquática para recuperar ambiente impactado por minério de ferro
Pesquisadores brasileiros destrincharam os mecanismos de absorção de ferro por vegetação estuarina e, com esse resultado, apontam um caminho promissor para a recuperação de água e de solo afetados por desastres ambientais, como o provocado pelo rompimento da Barragem do Fundão, em Mariana (MG).
Estudo publicado em janeiro no Journal of Hazardous Materials concluiu que a taboa (Typha domingensis), uma planta aquática comum em várias regiões, é eficaz no processo de mitigação de impactos em ambientes afetados por rejeitos de minério de ferro.
O trabalho de campo foi realizado no estuário do Rio Doce, distrito de Regência (ES), que recebeu parte dos 50 milhões de metros cúbicos (m3) de rejeitos de minério de ferro liberados após o maior desastre ambiental registrado no Brasil. Os cientistas avaliaram o papel da Typha domingensis (planta com cerca de 2,5 metros de altura e espigas cor café) e do Hibiscus tiliaceus (que mede de 4 a 10 metros e tem flores amarelas) na biogeoquímica do ferro e seu potencial para programas de fitorremediação, como são chamados os processos de recuperação ambiental utilizando plantas como agentes de purificação.
A Barragem do Fundão, construída para acomodar resíduos provenientes da extração de minério de ferro na região de Mariana, rompeu em 5 de novembro de 2015, chegando ao estuário duas semanas depois. Afetou 41 cidades em Minas Gerais e Espírito Santo e provocou a morte de 19 pessoas. Estima-se que a degradação ambiental atingiu 240,8 hectares de Mata Atlântica e resultou em 14 toneladas de peixes mortos. Várias ações vêm sendo adotadas desde então para tentar reduzir os danos.
“A pesquisa concluiu que a Typha, em comparação ao hibisco, é mais eficiente devido a características de seu sistema radicular [raízes], capacidade de acidificação muito maior, além de acumular mais ferro na parte aérea. Esse resultado é importante para pensarmos em estratégias de fitorremediação no futuro”, avalia Tiago Osório Ferreira, professor do Departamento de Ciência do Solo da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da Universidade de São Paulo (Esalq-USP), e orientador do estudo.
O trabalho é parte do doutorado de Amanda Duim Ferreira, primeira autora do artigo, e recebeu apoio da FAPESP por meio de outros quatro projetos (18/04259-2, 19/02855-0, 19/19987-6, 18/08408-2).
“A acumulação de ferro pela taboa e sua possibilidade de remediação são novidades. Além da vantagem da Typha em relação ao hibisco, por acumular maior quantidade de ferro na parte aérea e possibilitar o manejo de maneira mais fácil, essa planta tem crescimento rápido”, explica Duim Ferreira à Agência FAPESP.
Já o professor ressalta que o trabalho do grupo avança em relação a outros estudos realizados porque faz uma ligação entre as áreas geoquímica dos solos e biológica, com resultados consistentes, tendo o ferro como foco. Nos últimos anos, os alvos de pesquisa têm sido os chamados elementos-traço, ou seja, elementos químicos que mesmo em baixas concentrações no ambiente podem vir a ser uma fonte potencial para a poluição ambiental, como níquel, cromo, cobre e chumbo.
Como funciona
As plantas adaptadas a ambientes alagados precisam oxigenar seu sistema radicular (responsável pela fixação, além da absorção de água e de sais minerais). Para isso, capturam o oxigênio da atmosfera por meio da parte aérea, levando-o até a raiz por espaços porosos, chamados aerênquimas. Quando o oxigênio entra em contato com o ferro, oxida e o metal se deposita como placas na superfície radicular, formando uma barreira.
Na Typha, além de o volume radicular ser grande, sua porosidade radicular (espaço vazio para passar oxigênio) e volume de aerênquima são maiores, proporcionando oxigenação e fazendo com que tenha mais placas de ferro. Essas placas atuam como um tampão, regulando a quantidade de ferro que entra na planta. Já no hibisco, elas agem como uma barreira contra a acumulação aérea.
Com isso, a taboa apresentou concentrações de ferro na parte aérea (3.874 miligramas de ferro por quilo de matéria seca de planta) até dez vezes maiores do que o hibisco.
“Quando fizemos os primeiros trabalhos de campo no estuário do Rio Doce, em 2015, ainda havia ilhas sem vegetação, extremamente arenosas. Com os rejeitos trazidos após o desastre de Mariana, muitas delas foram colonizadas por plantas, em boa parte por taboa, que veio depois”, afirma o professor, ao lembrar que o grupo de pesquisa atua no local há mais de seis anos.
Coordenador do Grupo de Estudo e Pesquisa em Geoquímica de Solos da Esalq-USP, ele cita outras pesquisas realizadas no local que já foram publicadas. Uma delas foi a do pesquisador Hermano Queiroz, também realizada com apoio da FAPESP, que mostrou que, mesmo após dois anos da chegada dos rejeitos, ainda havia uma liberação constante de manganês dos solos do estuário para a água. Com isso, duas espécies de peixe comumente consumidas pela população local apresentavam altas concentrações do minério.
“Depois desses anos de pesquisa, conseguimos traçar estratégias de fitorremediação com mais segurança e consistência”, completa Osório Ferreira.
Agora, o trabalho da doutoranda entrou em nova etapa em que ela está realizando mais dois experimentos em campo. Em um deles vem testando fertilizantes para aumentar a produção de biomassa e a quantidade de metais absorvidos pela taboa.
A proposta é avaliar uma combinação com o uso de ácidos orgânicos, bactérias redutoras de ferro e práticas agronômicas (como frequência ideal de corte, densidade de plantio e fertilização). O objetivo é manejar a planta para reduzir o tempo necessário para a fitorremediação.
O artigo Iron hazard in an impacted estuary: Contrasting controls of plants and implications to phytoremediation, dos pesquisadores Amanda Duim Ferreira, Hermano Melo Queiroz, Xosé Luis Otero, Diego Barcellos, Angelo Fraga Bernardino e Tiago Osório Ferreira, pode ser lido aqui.