Exportação de animais vivos dissemina doenças, alertam especialistas
Além de extremamente cruel, a prática traz riscos para a saúde humana, como a transmissão de gripe aviária e outras doenças graves
O Dia Internacional Contra a Exportação de Animais Vivos, ocorre todos os anos em 14 de julho. Este ano, às vésperas da data, um artigo do The New York Times fez um alerta para o papel crucial do transporte de animais vivos na disseminação de vírus de alta mortalidade com potencial pandêmico, incluindo a gripe aviária.
Especialistas universidades dos EUA, Inglaterra e China (Colorado State University, Harvard Law School, University College London e City University of Hong Kong) explicaram a conexão entre o transporte de animais vivos e o atual surto de H5N1 em bovinos dos EUA.
No Brasil, focos recentes da gripe aviária levaram o governo a prorrogar o estado de emergência por 180 dias em todo território nacional, com o objetivo de prevenir a contaminação de produções comerciais de larga escala. Desde o ano passado, já foram identificadas 164 ocorrências do vírus, sendo 161 em aves silvestres e 3 em animais criados para consumo — até o momento, apenas para subsistência.
A ONG internacional Sinergia Animal alerta para o risco da disseminação de doenças potencializada pelo transporte de animais vivos. “Esse processo frequentemente envolve o confinamento de uma grande quantidade de animais em espaços apertados e mal ventilados, criando as condições ideais para a transmissão de doenças. As práticas atuais da pecuária industrial comprometem o bem-estar dos animais e são um solo fértil para incubar e disseminar doenças”, diz Cristina Diniz, diretora nacional da ONG Sinergia Animal no Brasil.
Surto de gripe aviária em vacas leiteiras
Desde março, o surto da variante H5N1 de gripe aviária já foi confirmado em 51 fazendas de leite em 9 estados dos Estados Unidos, registrando ao menos um caso de um funcionário infectado pelo vírus. O início da propagação da doença entre as vacas remonta a um único caso de transmissão de aves selvagens para o gado no ano passado, no Texas.
Em um curto período, o vírus viajou longas distâncias, alcançando fazendas nos estados de Idaho, Carolina do Norte e Michigan, demonstrando a capacidade de disseminação do transporte de animais vivos.
De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), o vírus H5N1 infectou mais de 800 pessoas entre 2003 e 2024, com uma taxa de mortalidade superior a 50%. E na última semana, a OMS confirmou a primeira morte humana pela variante H5N2 da gripe aviária no México, após surto em granja na fronteira com os Estados Unidos. “Precisamos urgentemente integrar a saúde animal à saúde humana, se queremos reduzir a disseminação de patógenos perigosos como a gripe aviária. Por ser extremamente desafiador lidar com esses surtos, devemos focar em preveni-los antes que seja tarde”, alerta Diniz.
A pecuária industrial e os seus riscos
Um dos agravantes é que os estabelecimentos de pecuária industrial tendem a ser especializados — cada local foca em um estágio específico da produção, como reprodução ou engorda, antes de enviar os animais para a etapa seguinte. Essa especialização exige uma ampla movimentação de milhões de animais, aumentando o risco de disseminação de doenças.
Em um estudo conduzido pela USDA, pesquisadores descobriram que 12% dos frangos abatidos em fazendas eram portadores de bactérias Campylobacter, uma fonte comum de doenças ligadas à alimentação. Surpreendentemente, após o transporte, esse número disparou para 56%.
“Consumidores deveriam se preocupar com a forma como os animais são criados e transportados — não apenas por serem seres sencientes e capazes de sofrer, mas porque o seu bem-estar e a sua saúde impactam a nossa segurança. Muitos patógenos da pecuária, como a gripe aviária, são ‘zoonóticos’, o que significa que podem ser transferidos de animais para humanos. Surtos prolongados e de grande dimensão na pecuária aumentam a probabilidade de exposição humana a animais infectados ou a alimentos contaminados, aumentando as chances dessas doenças evoluírem”, explica Diniz.
Vários relatórios indicam que o transporte impõe um grande impacto físico nos animais. O sistema imunológico de bovinos frequentemente acaba comprometido, tornando-os mais suscetíveis à Doença Respiratória Bovina (DRB), conhecida popularmente como “febre do transporte”. Já os porcos são um caso especialmente preocupante, pois podem ser infectados simultaneamente por diversos tipos de gripe — o que permite que diferentes cepas troquem material genético e criem novos vírus.
Criados e transportados em larga escala, os animais da pecuária também podem espalhar patógenos ao longo das rotas de transporte, aumentando os riscos para humanos. Um estudo alarmante de pesquisadores da Johns Hopkins e Baltimore descobriu que bactérias prejudiciais à saúde humana, incluindo cepas resistentes a antibióticos, são transmitidas de aves em caminhões em movimento para os carros atrás deles.
Em uma escala global, o comércio internacional de porcos contribuiu para o surgimento de variantes novas e mais contagiosas da gripe suína. O vírus é tido como a primeira pandemia do século XXI, responsável pela morte de milhares de pessoas. A exportação de suínos também dissemina bactérias perigosas, como a Streptococcus suis, que pode infectar porcos e humanos.
Fim da exportação de animais vivos
Nesta sexta-feira, 14 de junho, organizações de proteção animal do mundo todo se unem para exigir o fim da exportação de animais vivos. No início do ano, após o incidente com 19 mil bois brasileiros no porto da Cidade do Cabo, 19 organizações de proteção animal, incluindo a Sinergia Animal, se uniram a especialistas e ativistas da causa animal em uma carta para o Senado Federal.
O documento pede urgência na tramitação e aprovação do Projeto de Lei (PL) n° 3093, de 2021, que proíbe a exportação de animais vivos por via marítima para abate no exterior.
Apesar de desempenhar um papel crítico na disseminação de doenças, a regulamentação do transporte de animais vivos ainda é mínima. Na Europa, países pioneiros melhoraram suas regulamentações, incluindo sistemas obrigatórios de rastreamento do gado, estabelecendo precedentes para novos padrões globais.
A diretora nacional da Sinergia Animal no Brasil complementa que embora essas reformas sejam necessárias, é preciso ampliar ainda mais o debate. “A criação industrial sempre representará um grande risco para a saúde pública e o bem-estar animal, o que evidencia a necessidade de transformarmos os sistemas alimentares globais para que sejam menos dependentes de proteína animal”, conclui.
Sinergia Animal
A Sinergia Animal é uma organização internacional que trabalha em países do Sul Global para diminuir o sofrimento dos animais na indústria alimentícia e promover uma alimentação mais compassiva. A ONG é reconhecida como uma das mais eficientes do mundo pela renomada instituição Animal Charity Evaluators (ACE). Para mais informações, acesse www.sinergiaanimalbrasil.org.