Filtro de bagaço de cana elimina agrotóxico de água contaminada
Pesquisadores brasileiros desenvolveram uma estratégia para remover da água resíduos de glifosato, um dos herbicidas mais vendidos no mundo.
Idealizada de acordo com os conceitos da economia circular, a técnica usa como matéria-prima o bagaço da cana-de-açúcar, um detrito gerado nas usinas durante a produção de açúcar e de etanol.
“Isoladas e funcionalizadas quimicamente, as fibras de celulose do bagaço podem ser empregadas como material adsorvente [superfície sólida insolúvel, geralmente porosa, à qual moléculas dispersas em um meio líquido ou gasoso podem aderir], retendo em sua superfície as moléculas do glifosato. Dessa forma, é possível remover, por filtração, decantação ou centrifugação, o contaminante da água,” contou a professora Maria Vitória Leal, da Universidade Estadual Paulista (Unesp).
Devido ao baixo custo e alto potencial para intensificar a produtividade agrícola, o glifosato tem sido amplamente empregado no controle de ervas daninhas em diversas culturas agrícolas. Contudo, estudos apontam possíveis impactos à saúde humana, sobretudo aumento no risco de câncer. A aplicação de produtos contendo glifosato foi restringida ou banida em vários países, mas ele continua em uso no Brasil, onde são usadas mais 170.000 toneladas por ano.
Boa parte desse agrotóxico acaba carregada pelas chuvas, podendo contaminar rios, riachos, poços e outros ambientes aquáticos, o que explica a importância do desenvolvimento de um filtro capaz de retirar o composto química da água.
[Imagem: Maria Vitória Guimarães Leal]
Fabricação do filtro de celulose
O processo de fabricação do filtro de agrotóxico é simples.
“Depois de triturar o bagaço, é preciso isolar a celulose, separando-a da hemicelulose e da lignina, que também compõem o resíduo da cana-de-açúcar. Isolada a celulose, o passo seguinte é funcionalizar as fibras, agregando grupos de amônia quaternária em sua superfície, conferindo carga positiva ao material, e possibilitando assim obter microfibras catiônicas de celulose (cCMF, da expressão em inglês cationic cellulose microfibers), que se ligam facilmente ao glifosato,” explicou Guilherme Dognani, membro da equipe.
Algumas condições adicionais podem favorecer o processo, como é o caso da variação do pH. “Ao variar o pH, tanto o material adsorvente quanto o glifosato apresentam diferentes configurações moleculares. O pH 14 é o mais eficiente para a interação entre eles, gerando uma maior adsorção e, consequentemente, melhor remoção,” contou Maria Vitória.
Autores: Maria Vitória Guimarães Leal, Andressa Silva Gomes, Gabrieli Roefero Tolosa, Guilherme Dognani, Aldo Eloizo Job
Revista: Pure and Applied Chemistry
DOI: 10.1515/pac-2022-1205