Frutos do Cerrado são superalimentos que contribuem para refeições mais nutritivas
Embora pouco conhecidos no restante do país, os produtos desse bioma podem ser usados para melhorar o aporte nutricional dos brasileiros
A vegetação do Cerrado reserva mais surpresas do que apenas a sua aparência característica. De suas terras brotam raízes e frutos altamente nutritivos e até superalimentos, capazes de ajudar a combater a insegurança alimentar no país. Vários estudos foram conduzidos nos últimos anos confirmando a importância dos frutos do bioma para garantir também a diversidade à mesa.
Entre as principais descobertas há a de que aproximadamente 600 plantas já são reconhecidas pelo valor medicinal, alimentício e também pela capacidade de recuperar áreas degradadas. Mais recentemente, um dos frutos típicos do Cerrado, o pequi, passou a ser mais conhecido e consumido por suas propriedades de superalimento.
Excelente fonte de lipídios, fibras, vitaminas, potássio, betacaroteno, proteínas, cálcio, flavonóides, taninos e cumarinas, entre outros nutrientes, o pequi empresta sua cor e seu sabor a pratos salgados, licores, castanhas, óleo e remédios caseiros.
Ocupa também lugar de destaque na economia do Cerrado, gerando renda para a população que depende de seu plantio, como destacado no estudo, de 2019, “Extrativismo, produção de alimentos e segurança alimentar e nutricional das famílias: um estudo sobre a cadeia produtiva do pequi”, de Wdileia Mendes de Oliveira, Larissa Oliveira Silva e Fausto Makishi.
Segundo Vinicius Barbosa Pereira, analista de conservação do WWF-Brasil, sua polpa pode ser congelada para consumo durante todo o ano. E, além das propriedades nutricionais, tem fama na sabedoria popular de melhorar a libido e a natalidade. Quiçá por ser rico em vitamina E, precursora de hormônios sexuais.
Força da terra
O potencial nutricional da vegetação do Cerrado vem sendo observado há décadas. O que se percebe é que alguns de seus frutos se destacam por seu valor nutricional e pelo potencial para garantir uma alimentação saudável. Essas conclusões datam da década de 1980, quando foram descobertas 20 espécies nativas já usadas na alimentação regional, in natura ou sob a forma de geleias, doces, sorvetes e salgados.
Novas espécies usadas pelos povos tradicionais do bioma foram descobertas mais recentemente, a exemplo da bocaiúva, mangaba, cagaita, murici, mama-cadela, buriti, araticum, guabiroba e jatobá, e estão se popularizando em outras regiões do país.
Outro alimento que também tem merecido atenção é a castanha de baru, que foi apontada como possível substituta da castanha-de-caju e da Amazônia (Pará) por sua qualidade proteica e valor nutricional.
Rica em minerais, proteínas, fibras e lipídios, seu consumo, associado a outras oleaginosas, pode ajudar a satisfazer as necessidades de nutrientes em uma alimentação saudável, de acordo com o estudo “Qualidade nutricional e valor protéico da amêndoa de baru em relação ao amendoim, castanha-de-caju e castanha-do-pará”, de autoria de Jullyana Borges de Freitas, professora de Nutrição do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás (IFG).
Segundo Vinícius Barbosa Pereira, como ainda não há uma divulgação massiva, esses alimentos tendem a ser relegados, especialmente porque as pessoas querem cada vez mais praticidade e rapidez no preparo de suas refeições. “Quando começa a ser mais divulgado, ocorre uma ampliação dos preços , como aconteceu com o açaí e o baru, por vezes impedindo as camadas mais pobres e em insegurança alimentar de terem acesso a esse alimento tradicional. Foi o que aconteceu com o açaí, por exemplo”.
Para corrigir essa distorção, ele afirma que é necessário o fortalecimento de políticas públicas, a exemplo do Programa de Aquisição de Alimentos (agora transformado em Programa Alimenta Brasil) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar.
Um dos superalimentos citados por ele é o babaçu. Seu mesocarpo (coco) pode ser consumido por crianças desnutridas devido à alta concentração de nutrientes que o tornam um excelente suplemento alimentar. “Temos em abundância também a mangaba, que, em tupi significa ‘coisa boa de comer’. Ou o jatobá, cuja farinha enriquece receitas de pães, bolos e biscoitos”, disse. Além disso, frutos do Cerrado, como coquinho azedo, cagaita, pequi, baru, entre outros, têm sido usados na fabricação de cervejas. “As opções disponíveis no Cerrado são impressionantes”, relata.
É verdade que as opções de frutos do Cerrado são impressionantes, mas, historicamente, esse bioma tem sido ameaçado pelo avanço do desmatamento. “A pressão sobre o bioma acarreta perda de cobertura nativa e do conhecimento das populações tradicionais, seus registros históricos de arte e cultura, além de tradições culinárias e medicinais”, explica Terena Peres de Castro, assessora técnica do Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN).
Vinicius Barbosa Pereira lembra que outro desafio é mostrar aos restauradores que se pode restaurar produzindo comida. “E aos agricultores que podem produzir comida restaurando, tendo projetos e políticas públicas que viabilizem essa transformação em escala”, conclui.
Ele explica que a Política Nacional de Alimentação e Nutrição ajudou a divulgar muitos alimentos, mas ainda falta uma formação básica nas escolas para que as crianças aprendam o valor de cada alimento que compõe a sua refeição. “Assim, será possível contribuir para a criação de uma consciência alimentar. Se nos preocupamos com as roupas que vestimos, o combustível que vai no nosso carro, e outros itens de consumo, por que não olhamos de forma profunda o que vai no nosso prato? Cuidar bem de si mesmo começa pela escolha dos alimentos”, afirma.
Portal de produtos do Cerrado
Informações e curiosidades sobre essas e outras espécies do Cerrado podem ser conferidas no site Cerratinga. O portal é um esforço para divulgar e sensibilizar a população em geral a respeito do grande potencial de uso dos recursos da biodiversidade do Cerrado e da Caatinga, congregando informações sobre espécies, produtos, fornecedores, além de receitas e dicas de consumo.
É também uma ferramenta de apoio para iniciativas produtivas comunitárias que promovam a geração de renda e a inclusão social. O WWF-Brasil, o ISPN e o Projeto Ceres atuam estimulando iniciativas de desenvolvimento sustentável no Cerrado, como as que preservam os frutos locais.