Metade dos parques brasileiros tem problemas de infraestrutura para visitação, diz relatório
Vitória régia no Parque Nacional do Pantanal – Divulgação/TV Brasil
Quem visita os parques municipais, estaduais e federais brasileiros pode se encantar com as belas paisagens, o ambiente tranquilo e o ar puro desses refúgios da natureza. Mas nem tudo são flores. Cerca de 50% dessas unidades de conservação destinadas ao uso público sofrem com problemas de infraestrutura para a visitação, inclusive com a falta de itens básicos como banheiros e bebedouros. É o que diz a 6ª edição do relatório “Diagnóstico do Uso Público em Parques Brasileiros: A Perspectiva da Gestão”, feito pelo Instituto Semeia junto ao corpo técnico dos parques. O estudo completo, ao qual ((o))eco teve acesso a uma prévia, será divulgado hoje (11).
Segundo Mariana Haddad, coordenadora de conhecimento do Semeia e responsável pelo estudo, o oferecimento de uma melhor estrutura poderia aumentar o número de visitantes nos parques, que uma pesquisa anterior do instituto já mostrou ter grande margem para crescimento. “A gente acredita que se esses serviços fossem melhor prestados para a população, tivessem uma infra melhor, com certeza isso chamaria mais público pros parques. Com certeza eles seriam mais reconhecidos, visitados, apropriados pela população”, afirmou.
Realizado pela primeira vez em 2012, o relatório tem agora sua edição com o maior número de parques participantes – 371, equivalente a 73% dos 508 presentes no Cadastro Nacional de Unidades de Conservação, com proporcionalidade quanto à esfera de governo, bioma e região. A pesquisa foi feita por meio de um formulário elaborado pelo Instituto Semeia com perguntas detalhadas sobre o funcionamento dos parques. 74% dos respondentes são gestores das unidades.
Para Haddad, a chave para tornar os parques mais atrativos é integrá-los a outras ações do poder público. “Aqui tem um papel muito articulador entre vários setores. Olhar os parques não ‘só’ como espaços que tem um patrimônio riquíssimo, que conservam natureza. Aqui cabe olhar os parques sob um guarda-chuva de políticas públicas mais amplas. Pensando em ecoturismo, economia, infraestrutura, até saúde. Esses lugares poderiam ser locais de ações de saúde pública. A gente viu isso na pandemia, as pessoas visitando mais áreas verdes, buscando esse contato com a natureza. Uma forma de endereçar isso, numa decisão política mesmo, seria tratar isso sob guarda-chuva de várias áreas, com políticas públicas mais integradas”, disse a especialista.
Apesar dos problemas, inclusive de orçamento, os parques têm procurado formas de melhorar seus serviços. 76% deles tem parceria com algum agente externo, que auxilia em áreas como fornecimento de guias, alimentação e bebidas, transporte interno, conservação e educação ambiental. Entre os parques que não contam com essas parcerias, a maioria disse ter expectativas de que elas tragam melhorias. “O desafio com a implementação de parcerias tende a ser a gestão destas expectativas tão altas. Será importante considerar que elas são uma forma de apoio à gestão, e não suas substitutas. Além disso, os profissionais que atuam nos parques também precisarão se capacitar e aprimorar seus conhecimentos sobre gestão de contratos”, diz um trecho do relatório.
Outro desafio apontado são os fatores de risco e conflitos no entorno e mesmo dentro dos parques, como disputas por terras, por exemplo. 69% dos parques consultados tem alguma área sem regularização fundiária – 61% com áreas destinadas ao uso público nessa situação. Para Haddad, áreas com eventuais conflitos devem contar com um processo de diálogo entre as gestões dos parques e os atores interessados, como a comunidade do entorno, empresas e o terceiro setor, para que todos “possam de fato conhecer os benefícios desses espaços”.
Embora os problemas estruturais sejam um calcanhar de aquiles, a pesquisa também detectou melhorias na gestão. Um dos pontos destacados foi o número de parques com planos de manejo. 69% dos participantes da pesquisa contam com plano de manejo, contra 60% na última pesquisa e 48% na primeira, em 2012. Do total, 28% contam com um plano considerado condizente com a realidade atual; 16% estão desatualizados, mas em processo de revisão; e 25% estão desatualizados e sem revisão em andamento. Entre os que não tem um plano de manejo aprovado, 16% estão com o documento em elaboração e 25% nem começaram esse processo, embora ele esteja previsto em lei.
Mesmo nos parques que contam com plano de manejo, ainda há um caminho a percorrer. Apenas 17% implementam o plano integralmente hoje, contra 83% que não conseguem colocá-lo totalmente em prática. Já nos parques sem o documento formulado, apenas 19% têm um plano emergencial de uso público ou equivalente. Sobre tantos parques ainda não contarem com plano de manejo, Mariana Haddad disse não não existir uma resposta única, mas citou desafios como a complexidade para sua formulação, a validação com a comunidade do entorno e as constantes trocas de gestão “a cada quatro anos” nas unidades.
Outro importante instrumento de gestão dos parques, os conselhos consultivos estão presentes na maioria do universo consultado. 74% dos respondentes afirmaram contar com esses conselhos em suas unidades, sendo 61% ativos e regularizados. Entre os parques que contam com esse órgão, 83% têm os conselhos envolvidos em pelo menos “algumas” decisões importantes.
Segundo o relatório, a presença de instrumentos de gestão como plano de manejo e conselho consultivo estão ligados a melhorias na administração dos parques. O monitoramento de biodiversidade, por exemplo, é realizado por meio de processo estabelecido e sistemático em 41% das unidades, número que sobe para 45% entre as que contam com conselho consultivo (contra 29% nas que não contam) e 47% entre as que possuem plano de manejo (contra 28% nas que não possuem). No geral, 61% dos parques realizaram o monitoramento pelo menos uma vez nos últimos 5 anos.
Entre os segmentos analisados, os parques federais são os que mais fazem monitoramento de sua biodiversidade (50%), enquanto os municipais são os que menos fazem (35%). A nível regional, os parques da região Norte são onde esse processo está mais presente (69%), enquanto os do Nordeste estão no lado oposto da lista (29%).
Para Mariana Haddad, o fato dos parques federais do Norte do país serem os que mais realizam esse processo pode estar ligado à qualificação dos seus quadros de funcionários. “Tem uma hipótese de que os parques federais têm um corpo técnico mais robusto – não que as outras esferas não tenham, não sejam qualificadas, mas talvez o tempo de experiência seja maior. Então eles têm mais capacidade de olhar para esse monitoramento”, explicou.
Macaco-prego no Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Foto: Gabriel Tussini
“E a nossa hipótese é que o Norte, por ser uma região em que a gente tem parques enormes, com uma importância para conservar a biodiversidade, o ecossistema – a gente tá falando de Amazônia -, isso certamente impacta. São muitos atores olhando para aquela região”, disse. “Então eu tendo a acreditar que o Norte tem essa visão justamente pelo bioma e, por ser esfera federal, pelo fato de ter um pouco mais de experiência, um pouco mais de robustez. Porque o monitoramento de biodiversidade envolve uma capacitação técnica muito grande, é uma coisa muito específica de cada parque”, argumentou a especialista.
Haddad destacou a capacitação do quadro técnico das unidades como um dos trunfos para a melhoria das condições para o seu uso público. “A gente consegue ver os desafios da gestão, mas a gente consegue ver também que esses órgãos gestores são muito capacitados, tem pessoas que trabalham há muito tempo ali. Então, apesar dessa dificuldade de falta de recursos, tem um potencial humano a ser desenvolvido, capacitado, para que esses parques sejam melhor geridos”, projetou.
“De maneira geral, o que a gente identifica com esse relatório é que a gente tem nas mãos parques que são muito diversos, tem muitas atividades que poderiam ser melhor desenvolvidas, melhor aproveitadas. Que a gente tem na mão um patrimônio natural riquíssimo, que se fosse melhor aproveitado, se a população pudesse se apropriar, visitar esses espaços, conhecer esses espaços, certamente isso geraria um círculo vicioso, como a gente fala – um parque bem conservado traz a população, chama atenção do visitante, que demanda serviços como hotel, pousada, alimentação, o que gera renda e faz com que a população olhe pro parque não como um empecilho, mas queira conservá-lo, porque traz renda, desenvolvimento pro entorno. Então cabe olhar todo esse cenário como um círculo que poderia ser virtuoso, onde a gente poderia ter ganha-ganha de todos os lados, e aproveitar melhor esse potencial dos parques”, resumiu a responsável pelo estudo.
Fonte: O Eco