O silêncio do degelo: Redução do gelo marinho pode estar a afetar as populações de focas na Antártida
Nas regiões mais frias e remotas do planeta, o gelo que se forma sobre as águas marinhas desempenha um papel indispensável na vida dos animais que por lá rumam. Os ursos polares precisam das plataformas geladas para caçarem e é aí que as focas descansam com as suas crias e escapam aos predadores submarinos.
Por isso, quando a superfície marinha gelada recua, devido ao aquecimento global provocado pelas emissões de gases com efeito de estufa provenientes das atividades humanas, desaparecem também os sinais da vida que suportava.
Durante vários anos, uma equipa de cientistas do Instituto Alfred Wegener, na Alemanha, estudou as focas na Antártida, mergulhando hidrofones nas águas frias para captarem e registarem as vocalizações desses mamíferos marinhos. O som tem vindo a ser usado como uma forma de avaliar a presença, dinâmicas e até dimensão de populações de animais aquáticos, como focas e baleias.
Os investigadores, que assinam um artigo publicado na revista ‘Frontiers in Ecology and the Environment’, conseguiram recolher registos acústicos durante oito anos (de 2007 a 2014), abrangendo todas as quatro espécies de focas que ocorrem na Antártida: a foca-de-weddell (Leptonychotes weddellii), a foca-de-ross (Ommatophoca rossii), a foca-leopardo (Hydrurga leptonyx) e a foca-caranguejeira (Lobodon carcinophaga).
Ao adotarem uma abordagem de longo-prazo, os cientistas dizem que é possível “observar o comportamento das focas durante um período alargado” e fazer comparações entre os vários anos de estudo.
Desse período, foram os anos de 2010 e 2011 que se destacaram aos olhos dos investigadores, e não pelas melhores razões. Entre outubro e janeiro, altura em que grande parte da superfície do Oceano de Weddell, a dois mil quilómetros da Cidade do Cabo (África do Sul), deveria estar coberta de gelo e, por isso, os microfones deveriam ter captado o frenesim de vocalizações das focas, os sons captados eram substancialmente menores do que seria de esperar, e o mar estava praticamente livre de gelo.
Os cientistas temem que, à medida que as alterações climáticas se intensificam, podendo resultar na diminuição acentuada da superfície marinha coberta de gelo, as focas vão tendo cada vez menos espaços, seguros e protegidos dos predadores, onde possam descansar, dar à luz e cuidar das crias.
Contudo, reconhecem que ainda não é possível prever com precisão os impactos que a contração da superfície marinha congelada terá sobre as populações dessas quatro espécies de focas, uma vez que ainda pouco se conhece acerca da sua ecologia. Ainda assim, consideram que a foca-anelada (Pusa hispida), natural do Ártico, poderá servir de ponto de referência para como a falta de gelo poderá afetar as espécies do pólo Sul.
Segundo se sabe, a foca-anelada precisa de superfícies geladas com coberturas espessas de neve, onde fará tocas para esconder as suas crias, protegendo-as dos predadores e da fúria dos elementos. Sem essas condições, as crias acabam por morrer.
Ilse Van Opzeeland, uma das autoras do artigo, considera que, através dos dados disponíveis atualmente, é possível especular que a diminuição das superfícies marinhas geladas poderá afetar a reprodução das focas da Antártida, “não apenas em termos da sobrevivência das crias, mas possivelmente também ao nível do comportamento reprodutor dos adultos e outros aspetos”.
No artigo, os cientistas afirmam que é preciso uma melhor compreensão da relação entre as variações anuais da cobertura de gelo das superfícies marinhas e a abundância e distribuição das espécies, como predadores como as focas. Com menos gelo em certas áreas do oceano, é provável que as focas procurem zonas onde a cobertura de gelo marinho seja maior, podendo transformar as dinâmicas ecológicas estabelecidas.
Fonte: Greensavers