Pegada humana: 23 milhões de anos de evolução animal estão ameaçados em Madagascar
A ilha de Madagascar é o berço de espécies únicas de animais que não são encontradas em nenhum outro lugar. Apesar das belas paisagens e da biodiversidade, se nada for feito para conservar o local, do camaleão-de-parson (Calumma parsonii), considerado o maior do mundo, até o famoso lêmure, todos terminarão extintos. É o que revela um estudo divulgado na revista científica Nature Communications na terça-feira (10).
Ao contrário de outras ilhas tropicais, Madagascar ainda retém uma grande parte de sua flora e fauna nativas, provavelmente devido a um aumento tardio das pressões antrópicas após a chegada humana. Mas, de acordo com um novo estudo, a região já vem passando por desafios de conservação, com mais de 3,5 mil espécies de plantas e animais consideradas ameaçadas na Lista Vermelha da União Internacional para Conservação (IUCN).
O novo estudo ressalta que se as espécies ameaçadas de mamíferos em Madagascar forem extintas, as formas de vida criadas por 23 milhões de anos de história evolutiva serão destruídas.
“Na época da chegada dos humanos, havia aproximadamente 250 espécies de mamíferos em Madagascar, resultantes de 33 eventos de colonização (28 por morcegos), mas pelo menos 30 dessas espécies foram extintas desde então”, contam os pesquisadores no relatório.
Perigo iminente
A grande preocupação, além da perda de fauna e flora, é que a ilha abriga uma vida selvagem que não evolui em nenhum outro lugar, se uma vez extinto não há nenhuma chance de evolução. Madagascar é a quarta maior ilha do mundo, e grande parte de sua diversidade foi construída em espécies vindas da África e depois se diversificando ao longo de milhões de anos.
Devido à contribuição desproporcional de Madagascar para a biodiversidade global e seu status como um dos principais lugares mundiais de biodiversidade, a ilha é um sistema crucial para medir o impacto humano.
“Trata-se de colocar as coisas em perspectiva. Estamos perdendo características únicas de espécies que provavelmente nunca mais evoluirão”, disse Luis Valente, pesquisador do Centro de Biodiversidade Naturalis em Leiden, na Holanda, ao The Guardian. “Cada espécie é valiosa por si só, é como destruir uma obra de arte, então o que está acontecendo é muito chocante.”
As principais interferências humanas incluem a conversão do uso da terra para a agricultura, além de outras formas de degradação do habitat. Espécies invasoras, mudanças climáticas e caça também afetam fortemente a região.
Tempo de retorno evolutivo
Para esta análise, biólogos e paleontólogos criaram um conjunto de dados mostrando todas as espécies de mamíferos atualmente presentes na ilha, desde aquelas que estavam vivas quando humanos chegaram até as conhecidas apenas por registros fósseis. Das 249 espécies identificadas, 30 estão extintas. Das 219 espécies de mamíferos, mais de 120 que hoje vivem na ilha estão ameaçadas de extinção.
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A partir desses dados, a equipe decidiu estimar o Tempo de Retorno Evolutivo (ERT, sigla em inglês), ou seja, quanto tempo levaria para restaurar a biodiversidade de mamíferos no local. Os resultados foram alarmantes: para um retorno da diversidade atual à pré-humana levaria 1,6 milhão de anos para morcegos e 2,9 milhões de anos para mamíferos não voadores. No entanto, se as espécies atualmente classificadas como ameaçadas forem extintas, o ERT sobe para 2,9 milhões para morcegos e 23 milhões para mamíferos não voadores.
“Muitas dessas espécies podem ser extintas nos próximos 10 ou 20 anos – elas não podem esperar muito mais. Você pode chegar rapidamente a um ponto em que uma espécie não é mais viável”, alertou Valente.
A perda dessas espécies também afeta o ecossistema como um todo, impactando outras espécies de plantas e insetos que dependem delas. “A principal mensagem é que a biodiversidade não vai se recuperar rapidamente. Mesmo os lugares que pensamos serem intocados e realmente intocados podem ser levados ao ponto de colapso rapidamente”, completou.
A equipe finaliza afirmando que programas de conservação são necessários para criar meios de subsistência para a população local, impedir que as florestas sejam convertidas em terras agrícolas e para limitar a exploração de recursos como árvores de madeira dura e animais usados para carne de caça. Se ações de conservação não foram tomadas imediatamente, uma onda de extinção com profundo impacto evolutivo é certa.