Pesquisadores cearenses aprimoram técnicas para proteger aves migratórias ameaçadas
Anualmente o litoral cearense recebe milhares de aves que buscam refúgio dos rigorosos invernos polares. Ao longo da zona costeira, essas aves realizam viagens hemisféricas de mais de 30.000 Km entre áreas de reprodução, alimentação e descanso. O município de Icapuí, no extremo leste do Ceará, abriga uma área conhecida como Banco dos Cajuais, um dos lugares onde essas aves encontram refúgio em períodos frios. A área, inclusive é reconhecida como parte da Rede de Reservas de Aves Limícolas do Hemisfério Ocidental (Western Hemisphere Shorebird Reserve Network – WHSRN).
Com o intuito de coletar dados importantes para a conservação de aves ameaçadas de extinção no Brasil, membros da iniciativa que lida com as aves migratórias no Ceará, o Projeto Aves Migratórias (PAM), desenvolvido pela Associação de Pesquisa e Preservação de Ecossistemas Aquáticos (Aquasis), estiveram nos Estados Unidos, durante o mês de Maio, e participaram de um conjunto de ações promovidas pelo Connecting the Dots Project (Projeto Ligando os Pontos), da ONG americana New Jersey Audubon.
A parceria entre as duas instituições objetiva uma pesquisa que tem como foco principal o maçarico-rasteirinho (Calidris pusilla), mas também abrange outras espécies de aves limícolas (assim conhecidas por se alimentarem de pequenos invertebrados que vivem no limus, lodo em latim) que passam pela Baía de Delaware (EUA) durante sua migração rumo ao norte para se reproduzirem nas tundras árticas do Canadá.
Segundo o biólogo e doutorando do Instituto de Ciências do Mar (Labomar) da Universidade Federal do Ceará (UFC), Felipe Braga, que coordena a equipe de Educação Ambiental do Projeto Aves Migratórias, essas aves não reconhecem limites geográficos. Ao longo do seu trajeto param para se alimentar e descansar em áreas de diferentes países. Por exemplo: um maçarico-de-papo-vermelho (Calidris canutus) que observamos no Ceará de agosto a março, que viaja cerca de 30.000 km por ano entre os hemisférios, pode estar na Baía de Delaware em maio e se reproduzir no Canadá em julho. “Em cada parada essas aves enfrentam diversas ameaças, dessa forma sua conservação precisa ser feita por meio da conexão de pesquisadores do mundo todo”.
Gabriela Ramires, coordenadora de Políticas Públicas e Advocacy do Projeto Aves Migratórias, destaca que essa parceria com a instituição norte-americana é fundamental porque, além de ser possível a colaboração em pesquisa internacional, essa experiência proporciona treinamento e aprimoramento das técnicas de marcação e telemetria das aves, além de possibilitar o contato com tecnologias cada vez mais avançadas empregadas neste tipo de estudo. “Isso amplia a nossa capacidade de realizar estas campanhas com uma equipe ainda mais preparada, afiada e aumenta a nossa eficiência nesta prática”, ressalta.
“Por meio do emprego das técnicas aperfeiçoadas com nossos parceiros norte-americanos pudemos descobrir que o Banco dos Cajuais, localizado em Icapuí, é uma das áreas mais importantes para a conservação de aves migratórias ameaçadas, pois muitas aves marcadas aqui, nos Estados Unidos e no Canadá, pertencentes à várias espécies retornam do verão ártico ano após ano para a mesma praia cearense, o que é incrível e ao mesmo tempo desperta necessidade de se aumentar os cuidados com a proteção das áreas de concentração ao longo do nosso litoral”, acrescenta.
Para o gerente do Programa Aves Migratórias, Jason Alan Mobley “a parceria com a Aquasis nesta colaboração de pesquisa e treinamento é um aspecto fundamental dos planos de conservação para o grupo de aves limícolas, algumas das quais passam até oito meses do ano se mantendo sua forma corporal em locais como o Banco dos Cajuais, antes de realizarem seus movimentos de longas distâncias, de modo que o objetivo de conectar estes pontos de onde eles ficam, param e de quais recursos naturais eles dependem no espaço e no tempo ao longo do seu ciclo de vida anual, é a base para estratégias de evitar sua própria extinção.”
‘Connecting the Dots’
O projeto é realizado sob orientação e coordenação do biólogo doutor David Mizrahi, vice-presidente de Pesquisa e Monitoramento da New Jersey Audubon que conduz este estudo há quase 20 anos, possui parceiros nos Estados Unidos, Canadá, México, Nicarágua, Colômbia, Suriname, Guiana Francesa, Argentina e Chile, além do Brasil (representado pelos vários membros da equipe do PAM), busca monitorar mudanças nas populações e compreender a taxa de sobrevivência dessas aves para aprimorar estratégias de conservação para essas espécies.
A iniciativa usa uma tecnologia de telemetria que coloca minúsculos aparelhos de rádio e outras técnicas de marcação com anilhas metálicas e bandeirolas coloridas para estabelecer relações geográficas, temporais e analisar a conectividade migratória, além de coletar informações sobre o uso de habitats e a preparação fisiológica durante a longa migração anual que faz parte do ciclo de vida dessas aves, ameaçadas de extinção.
A bióloga e mestranda do curso de Ecologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Victoria Souza explica que, durante sua experiência nos Estados Unidos, nas atividades do Projeto, participou de treinamentos que envolveram manejo, captura e marcação de aves, mas que além do aprendizado técnico, um dos objetivos do projeto Connecting the Dots é promover um intercâmbio entre diferentes pessoas e projetos que trabalham com a conservação de aves limícolas migratórias nas Américas e que essas novas técnicas e metodologias aprendidas irão fortalecer as pesquisas voltadas para a conservação de aves limícolas migratórias ameaçadas de extinção, no Ceará.
“É de grande importância trazer novas técnicas e metodologias para a pesquisa científica, mas para além disso, por meio de observações da cultura local, levamos novas ideias para o desenvolvimento de ações de educação ambiental e de políticas públicas com o objetivo de aproximar a sociedade da ciência”, finaliza.
Banco dos Cajuais
No litoral de Icapuí (CE), a água do mar recua diariamente mais de quatro quilômetros, formando o Banco dos Cajuais, área onde milhares de aves migratórias vêm se alimentar. Quando a maré baixa, com o recuo da água descobre-se uma imensa área repleta de nutrientes. Ali as aves migratórias encontram seus alimentos prediletos: moluscos, mariscos, mexilhões, poliquetas e pequenos crustáceos.
O Projeto Aves Migratórias (PAM), desenvolvido pela Aquasis conta com a parceria da Petrobras, por meio do Programa Petrobras Socioambiental.