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Poluição alcança a Antártica

Poluição alcança a Antártica
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Quando se pensa na Antártica o que vem à mente é uma vastidão gelada, deserta, habitada apenas por pinguins e livre de poluição. Não é bem assim, infelizmente -– vários poluentes chegaram por lá e se estabeleceram, contaminando o ambiente e os seres vivos. Os mais recentes descobertos são os microplásticos (partículas de plástico menores que um grão de arroz), que pesquisadores da Universidade de Canterbury, da Nova Zelândia, detectaram pela primeira vez na neve fresca do continente.

Os cientistas neozelandeses coletaram, no fim de 2019, amostras de 19 locais do gelo da Ilha Ross – localizada do “outro lado” da Antártica, o que dá para o Oceano Pacífico – incluindo os arredores das bases científicas Scott, da Nova Zelândia, e Estação McMurdo, dos Estados Unidos, a maior do continente. O resultado dos testes, divulgado em junho, mostrou que havia 29 partículas de microplástico por litro de neve derretida, mais do que o número encontrado anteriormente no mar em volta do continente. Ao redor das bases científicas, a densidade do poluente era quase três vezes maior, com concentrações semelhantes às encontradas nas geleiras italianas. Os pesquisadores acharam 13 tipos diferentes de plástico, sendo o mais comum o PET, comumente usado na fabricação de garrafas e outros produtos plásticos.

O microplástico afeta os organismos produtores, que compõem a base da cadeia alimentar (microalgas, cianobactérias) e, consequentemente, o krill antártico (microcrustáceo), que é o alimento principal de muitos macroorganismos, como aves (pinguins) e baleias

Luiz Henrique Rosa Biólogo e pesquisador da UFMG

É uma descoberta que preocupa. Os microplásticos têm impactos negativos na saúde ambiental, porque limitam o crescimento, a reprodução e as funções biológicas gerais nos organismos. “As consequências ainda são incertas, precisaremos de estudos de longa duração na região”, explica o biólogo Luiz Henrique Rosa, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), coordenador do projeto MycoAntar, do Programa Antártico Brasileiro, que estuda fungos da Antártida com possíveis propriedades medicinais. “Devido às baixas temperaturas a dinâmica dos diferentes sistemas do continente (biológicos, químicos e físicos) ocorre lentamente”.

Rosa acrescenta que na sua área de atuação (a biologia) a grande preocupação é o efeito desses poluentes nos seres vivos da Antártica, como plantas, animais e até os micro-organismos – muitas espécies são extremamente sensíveis a eles, principalmente as endêmicas. “O microplástico afeta os organismos produtores, que compõem a base da cadeia alimentar (microalgas, cianobactérias) e, consequentemente, o krill antártico (microcrustáceo), que é o alimento principal de muitos macroorganismos, como aves (pinguins) e baleias”.

O microplástico também pode ter efeitos negativos para a própria humanidade. Em uma escala mais ampla, a presença dessas partículas no ar tem o potencial de influenciar o clima, acelerando o derretimento da neve e do gelo. “Com certeza a poluição na Antártica pode causar efeitos danosos em todo o planeta, pois ela e o Ártico influenciam os oceanos globais e, os dois juntos, o clima do planeta”, alerta Rosa.

O mais grave é que os microplásticos não são os únicos poluentes do continente antártico. Há vários outros, que contaminam o ar, a água do mar, o gelo e a neve e a biota (conjunto de seres vivos). “A região não está isolada do que ocorre no resto do mundo”, atesta o glaciólogo Jefferson Cardia Simões, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), que há mais de 15 anos realiza estudos naquelas paragens geladas. “Correntes atmosféricas e oceânicas transportam a poluição para a região”. Segundo Rosa, a origem dessa poluição é diversa, mas chega à por intermédio do homem, por causa do cada vez maior número de navios de turismo; animais, como as

 aves migratórias; correntes marinhas e também pelo ar.

Micropoluentes foram detectados pela primeira vez em efluentes da Base Scott, Estação McMurdo e Estação Mario Zucchelli, no mar circundante e no gelo marinho

Jefferson Cardia Simões Glaciólogo e pesquisador da UFRGS

Vice-presidente do Scientific Committee on Antarctic Research (SCAR), órgão máximo da pesquisa antártica internacional, Simões informa que foram encontrados poluentes como clorofluocarbonos e outros gases destruidores da camada de ozônio; subprodutos de mineração no hemisfério sul (urânio e arsênico) na neve e inseticidas na biota. “Um fato curioso: as explosões termonucleares das décadas de 1950 a 1970 contaminaram as camadas de gelo polar”, conta o cientista, que em suas pesquisas retira testemunhos (cilindros de gelo com mais de 100 metros, obtidos por perfuração), que fornecem dados sobre as variações do clima e mudanças na química atmosférica ao longo dos últimos 200 anos. “Encontramos ainda camada com concentrações de Césio-137 e com radioatividade beta mensurável”.

Há ainda a poluição causada pelas atividades do ser humano no continente. Cerca de 40 bases científicas estão instaladas lá, que no verão recebem perto de cinco mil pessoas, entre pesquisadores e pessoal de apoio. “Ao redor das estações temos aquela causada por esgoto (biológica), problema mitigado desde 1998, devido ao Protocolo de Preservação Ambiental da Antártica, com sistema de purificação dos efluentes e da água de serviço e de remoção de todo o lixo”, enumera Simões.

Com precisão dos equipamentos analíticos, hoje se consegue medir concentração ultrabaixas de poluentes, o que pavimenta o cuidado com o continente. “Micropoluentes foram detectados pela primeira vez em efluentes da Base Scott, Estação McMurdo e Estação Mario Zucchelli, no mar circundante e no gelo marinho, bem como em bentos , em concentrações semelhantes às águas costeiras temperadas”, relata o cientista. Trabalhos recentes na Península Antártica encontraram vestígios de fragrâncias, analgésicos e anti-inflamatórios em sistemas aquáticos.”

O problema ambiental mais grave continua sendo, no entanto, a redução da camada de ozônio, causada por clorofluorcarbonos e outros gases que desequilibram o ciclo natural de formação e destruição desse gás, que protege a Terra da radiação ultravioleta. “Mas esse problema se origina fora da região antártica”, ressalva. “No caso, gases transportados para estratosfera antártica provenientes de outras regiões do planeta”.

E isso, como se sabe, acrescenta ele, tem forte impacto na variabilidade climática da Terra. “A maioria do estudos atuais atribui o esfriamento da temperatura da baixa atmosfera à destruição do ozônio nas décadas de 1990 e 2000”, afirma. “Com a redução de lá para cá do buraco, a atmosfera inferior antártica passará a aquecer”.

Isso poderá ter impactos globais, assim como a poluição que começa a se estabelecer e se alastrar. Aquela imensidão gelada é um dos principais controladores do sistema climático e do nível dos mares da Terra, além de arquivar nas suas camadas a evolução e eventos da atmosfera do planeta, bem como o registro da poluição causada pelo ser humano no último século. “Saber mais sobre o ambiente antártico, seus processos atmosféricos, biológicos, criosféricos, geológicos e oceânicos, é tão importante quanto estudar a Amazônia”, compara Simões. “São essenciais as medidas de controle e mitigação”.

Por Projeto Colabora

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Trajano Xavier

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