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Por que a evolução levou as preguiças a viverem em câmera lenta

Por que a evolução levou as preguiças a viverem em câmera lenta
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Bichos-preguiça, como o nome sugere, não têm nenhuma pressa. Na maioria das vezes, vivem no alto das árvores de florestas que se estendem pela América Central e do Sul, descendo apenas para defecar.

O motivo pelo qual as preguiças se movem tão lentamente é devido a alguns aspectos evolutivos peculiares.

As preguiças modernas – de três dedos e de dois dedos – são versões muito menores das preguiças que habitavam o mundo pré-histórico. Preguiças gigantes, algumas das quais pesavam várias toneladas, caminharam sobre o chão durante a última era glacial até cerca de 11 mil anos atrás, levantando-se sobre as patas traseiras para alcançar a folhagem de árvores.

“O que mudou foi que elas passaram a subir nas árvores e a ter uma dieta quase inteiramente baseada em folhas”, diz Camila Mazzoni, do Instituto Leibniz de Pesquisa de Vida Zoológica e Selvagem, na Alemanha.

“Essa dieta é muito pobre em nutrientes, com uma ingestão de calorias muito baixa. Por causa disso, precisam ter uma taxa metabólica muito lenta para lidar com isso.”

E parte disso tem a ver com o lugar onde moram. Todas as seis espécies vivem em florestas tropicais, um ambiente quente e úmido.

Bicho-preguiça é flagrado atravessando BR-367 com filhote nas costas, em Porto Seguro — Foto: Priscila Gomes Ribeiro
Bicho-preguiça é flagrado atravessando BR-367 com filhote nas costas, em Porto Seguro — Foto: Priscila Gomes Ribeiro

Isso significa que algumas das vantagens normais de um sistema endotérmico não são necessárias. Como o ambiente já é quente, não é preciso gastar uma quantidade enorme de energia para manter aquecidos os músculos e o sistema cardiovascular.

Então, as preguiças não têm essa característica que confere tantos benefícios a mamíferos. Capazes de regular internamente a temperatura corporal, mamíferos podem viver em climas mais frios – muito mais frios que répteis ou outros animais de sangue frio.

Mas isso também tem desvantagens. Manter esse sistema consome muita energia, e os mamíferos precisam comer muito mais para manter os músculos necessários para o movimento aquecidos. É por isso que estes animais podem correr em um dia frio, enquanto os lagartos permanecem lentos – se é que se se mexem.

Essa adaptação endotérmica permitiu que os mamíferos colonizassem a maior parte dos ambientes da Terra – incluindo os polos.

Um relacionamento íntimo com as árvores

Mas, em outros lugares, alguns mamíferos abandonaram traços endotérmicos que a evolução lhes deu. Ao fazerem isso, adotaram um estilo de vida lento para economizar energia, semelhantemente aos animais de sangue frio.

“Como as preguiças não têm a termorregulação da maioria dos mamíferos, elas precisam de muito menos energia”, diz Mazzoni.

“Mas isso significa que eles só podem viver nos trópicos e não no alto das montanhas, onde a temperatura fica bastante baixa. Dito isto, a preguiça de dois dedos é um pouco mais flexível e pode subir um pouco mais nas montanhas da Costa Rica.”

A vida em árvores das preguiças significa que passam muito pouco tempo sob risco de serem atacadas por predadores, como a onça-pintada. Essa é outra razão pela qual as reações extremamente rápidas – e a enorme quantidade de energia que isso exige – simplesmente não são necessárias. “Eles têm um relacionamento íntimo com as árvores, dependem delas”, diz Mazzoni.

A especialista explica que as preguiças costumam “subir ao topo do dossel pela manhã para obter energia do sol e, quando fica muito quente, voltam para a sombra”. Esse comportamento é mais típico de animais de sangue frio – lagartos e outros répteis – do que de mamíferos.

Becky Cliffe, zoóloga britânica que trabalha na Fundação de Preservação de Preguiças da Costa Rica, diz somente quando vemos preguiças na natureza que realmente entendemos como elas são lentas.

“Você sabe que elas se movem devagar, mas então olha para toda e qualquer parte do seu corpo – quando viram a cabeça ou mesmo quando piscam – e vê que tudo é feito muito devagar. Você tem que gastar muito tempo em campo para observá-las.”

Bicho-preguiça no Bosque dos Jequitibás em Campinas.  — Foto: Equipe Técnica do Zoológico do Bosque
Bicho-preguiça no Bosque dos Jequitibás em Campinas. — Foto: Equipe Técnica do Zoológico do Bosque

Algas e fungos nos pelos

Olhe atentamente para a preguiça e você notará que seu pelo tem uma tonalidade verde. Pode ser tentador supor que estes animais se tornaram tão sedentários que viraram o lar de algas verdes e musgos ao seu redor. Mas há algo muito mais fascinante por trás disso.

“O pelo delas tem um tipo de abertura na qual as algas e fungos podem crescer. Não é porque são lentas. Há algum tipo de relacionamento simbiótico acontecendo aí”, diz Mazzoni.

Para que servem essas algas? Muitos cientistas estão tentando descobrir. “Pode ser que seja bom para camuflagem”, acrescenta Mazzoni. As algas verdes e os fungos podem ajudar as preguiças a se misturarem com o dossel da floresta.

“Também pode ser uma maneira de obterem proteína extra”, diz a especialista, observando que, às vezes, se vê preguiças lambendo as algas que crescem em seus pelos.

O crescimento de fungos também pode ajudar a reduzir o número de parasitas. “Seu pelo é quase completamente à prova d’água e afasta muitos parasitas. Preguiças têm menos parasitas que outros mamíferos de tamanho semelhante.”

Leite a conta-gotas

Outra característica que distinguem preguiças em relação a outros mamíferos é a quantidade de leite que produzem para seus filhotes.

“As mães não armazenam grandes quantidades de leite, então, sai gota a gota”, diz Cliffe. Os filhotes se prendem perto do mamilo e se alimentam quando o leite escorre.

Os anos de Cliffe observando preguiças na selva da Costa Rica forneceram a ela muitas informações sobre seu comportamento.

“Elas não pulam ou correm. Mas têm braços incrivelmente fortes. Se um humano e uma preguiça travassem uma luta, a preguiça definitivamente venceria.”

Só que as pernas da preguiça – que não são necessárias para se movimentar em uma velocidade vertiginosa ou mesmo para sustentar todo seu peso na maior parte do tempo – não têm a mesma massa muscular.

Se as preguiças não tivessem passado a viver em ambientes quentes e úmidos cobertos por árvores, elas poderiam se movimentar mais rapidamente. Mas, ao longo de inúmeras gerações, atingiram a um ritmo de vida perfeitamente adequado ao seu ambiente.

“Eles mostram que você não precisa correr contra o tempo para buscar comida”, diz Cliffe.

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Trajano Xavier

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