Rã flecha azul: um anfíbio venenoso de cor surpreendente
Apesar de ser secretado por suas glândulas, o veneno perigoso não é produzido pelo anfíbio, mas sim pelas formigas que ele come
A floresta Amazônica das Guianas, de Suriname e do Brasil, é casa para um animal para lá de curioso: o anfíbio Dendrobates tinctorius “azureus”, mais conhecido como rã flecha azul. O nome vem da sua cor, um azul metálico que serve como estratégia de defesa.
Quem explica é o biólogo Steven Alejandro Valencia Zuleta, mestre em biodiversidade animal e experiente na área de herpetologia:
“A espécie possui cores fortes e brilhantes como uma estratégia defensiva, conhecida como aposematismo, para alertar os predadores que são impalatáveis ou tóxicas e assim evitam ser predadas.”
Embora o nome sugira unicamente o azul, esta rã apresenta uma alta variação de padrões de coloração. É possível encontrar a espécie com o dorso preto e manchas amareladas ou listras amarelas dorsolaterais, que podem se fundir no sacro, formando manchas ovóides pretas no dorso.
“Os membros também podem ter um padrão reticulado preto com azul ou com algumas manchas amarelas dispersas”, acrescenta Steven.
Além disso, apesar de ser pequena e contar com apenas 3,4 a 6 cm de comprimento, assusta até os predadores mais perigosos – isso porque, além da cor chamativa, a sua pele possui um veneno que pode levar até à morte.
Contudo, aves, mamíferos e tarântulas são potenciais predadores. Já o seu cardápio é variado: “A rã flecha azul é predominantemente insetívora, sendo as formigas o alimento mais abundante consumido (aproximadamente 78% e 80% dos itens consumidos por machos e fêmeas, respectivamente). Os cupins, besouros e lagartas, assim como os ácaros, também formam parte da dieta”, explica Steven.
De acordo com Cybele Lisboa, bióloga e gerente de manejo de répteis, anfíbios e invertebrados do Zoológico de São Paulo, é a formiga quem determina a potência de seu veneno.
“Estas rãs têm glândulas que produzem veneno, mas ele fica potencializado quando elas se alimentam de formigas. É como se elas fizessem um ‘sequestro de toxina’ desses insetos, e aí ficam com o veneno mais potente”, diz.
É por isso que, no Zoo de SP, as rãs flecha azul apresentam um veneno bem mais brando: lá, são alimentadas com outra dieta, como as moscas de fruta, o que diminui a sua toxicidade.
Seu veneno é cruel
Como outras espécies venenosas, a rã flecha azul não sintetiza a própria toxina – ela é secretada a partir das glândulas presentes na sua pele, que são ativadas por estímulos nervosos ou humorais. Isso ocorre, por exemplo, na presença de um potencial predador.
“A pumiliotoxina, altamente tóxica em altas concentrações, é o principal alcaloide encontrado na pele desta espécie. Ele interfere na contração muscular ao afetar os canais de cálcio, causando dificuldades locomotoras, convulsões, paralisia ou até morte, dependendo do organismo afetado”, explica Steven.
Com tais qualidades, o animal passou a ser atrativo para quem queria se proteger. Por causa disso, os indígenas do continente americano utilizavam as toxinas em flechas para caçar e se defender de outras tribos – daí o seu nome popular, rã flecha azul.
Ameaça
Segundo Cybele, a espécie não é considerada estar em ameaça, mas, como todos os anfíbios, merece uma atenção maior por parte dos órgãos responsáveis pela preservação.
“Os anfíbios, como grupo, costumam estar sempre ameaçados e esta espécie é vítima do tráfico de animais silvestres devido às suas cores fortes. Por isso temos um alerta em relação a ela”, diz.
Apesar de ser legalmente comercializada com a documentação necessária, a sua exportação no Brasil é proibida e a sua criação não é recomendada. Isso porque a retirada de indivíduos da natureza pode trazer desequilíbrios populacionais e estresse ao animal.
Além disso, há risco de contaminação de pessoas e outros animais pelas doenças que os animais silvestres carregam. “Por exemplo, a rã flecha azul mostra alta prevalência do fungo quitrídio (Batrachochytrium dendrobatidis), responsável pelo extermínio de populações de anfíbios em todo o mundo, em cativeiro e nas suas populações naturais”, diz Steven.
Vale sempre reiterar que existem protocolos sobre o que fazer ao avistar um animal silvestre fora de seu habitat – leia mais sobre o tema aqui.