Área degradada do sul da Bahia está sendo restaurada por povo Pataxó para formar um corredor ecológico
Por Sibélia Zanon
- Cooperativa indígena Pataxó reflorestou 210 hectares de Mata Atlântica no Corredor Ecológico Monte Pascoal-Pau Brasil com espécies que cobriam o solo baiano antes do Descobrimento.
- O projeto, coordenado pelo Grupo Ambiental Natureza Bela e financiado pelo BNDES, contou com 50 hectares de plantio em sistemas agroflorestais na Aldeia Boca da Mata, fortalecendo a comunidade indígena.
- Os Pataxó vivem em constante luta pela retomada de terras: mais de 50 mil hectares já foram demarcados na TI Barra Velha do Monte Pascoal, mas eles estão em posse de apenas 9 mil hectares sem conseguir exercer suas atividades tradicionais.
“A nossa Mata Atlântica tem vários seres vivos de muita importância, espécies que já estão em extinção e que a gente precisa trazer de volta”, diz o indígena da etnia Pataxó Matias Santana, presidente da Cooperativa de Trabalho de Florestadores e Reflorestadores da Aldeia Indígena Pataxó Boca da Mata (Cooplanjé), no sul da Bahia. “A cooperativa de trabalho nós criamos pra trazer emprego pra comunidade, pros familiares”.
De 2018 até este ano, a Cooplanjé trabalhou na restauração de 210 hectares de áreas degradadas de Mata Atlântica para aumentar a conectividade florestal entre o Parque Nacional e Histórico do Monte Pascoal – primeiro pedaço de terra avistado pelos colonizadores portugueses – e o Parque Nacional do Pau Brasil, integrando também a Terra Indígena Barra Velha do Monte Pascoal, da etnia Pataxó.
“Foi a primeira vez que o BNDES financiou um projeto de SAF [sistema agroflorestal] no bioma Mata Atlântica”, conta Marcos Lemos, do Grupo Ambiental Natureza Bela, parceiro dos Pataxó no projeto. Dos 210 hectares, 50 foram restaurados dentro da aldeia Boca da Mata em Sistemas Agroflorestais. “Esse SAF nós usamos como estratégia de restauração do Monte Pascoal”.
Além de o SAF produtivo formar uma espécie de cinturão verde, evitando a entrada de focos de incêndio no interior do Parque Nacional, ele é um meio para fortalecer a sobrevivência das comunidades indígenas. “A unidade de conservação tem uma sobreposição com as comunidades da TI Barra Velha do Monte Pascoal, que compreende 16 aldeias no entorno do parque”, explica Marcos.
Antes do Descobrimento
“Hoje eu imagino que a gente tenha cerca de 2 mil hectares ou mais em processo de restauração no Corredor Ecológico Monte Pascoal-Pau Brasil, boa parte deles concentrados nas bordas dos parques”, conta o pesquisador Paulo Dimas Rocha de Menezes da Universidade Federal do Sul da Bahia.
Desde 2005, projetos de restauração têm colaborado para a formação do Corredor Ecológico, que objetiva conectar a floresta, contribuindo para o fluxo gênico de animais e espécies vegetais e também implementar atividades econômicas que favoreçam os povos da região.
“Nós temos uma pressão e histórico de desmatamento e de ocupação dessa região que foi exclusivamente madeireira, retirando primeiro a Mata Atlântica e entrando depois com pastos”, diz Marcos. “A gente vem com todo um conjunto de ações e instituições para manter o que existe e avançar na preservação, tendo em vista que nós estamos numa região com três Parques Nacionais e temos ainda o Parque Marinho de Abrolhos, que sofre influência dessas áreas de recarga”.
Nesta região de relevância hídrica e rica em biodiversidade sobrevive um dos maiores remanescentes de árvores pau-brasil (Paubrasilia echinata). Próximo ao Parque Nacional do Monte Pascoal, num assentamento do Movimento Sem Terra (MST), foi encontrado em 2020 o maior exemplar de pau-brasil do país, com idade estimada de 600 anos e mais de 7 metros de circunferência.
A restauração da região denominada Costa do Descobrimento usa espécies nativas, que já cobriam o solo baiano antes da chegada dos colonizadores portugueses. “Nós trabalhamos com 132 espécies endêmicas e tentamos recompor o que era a nossa flora. E aí eu poderia citar pau-brasil, ipê, conduru, jacarandá. Espécies que a gente não encontra mais”, conta Marcos.
Histórico da destruição
Além de Unidades de Conservação e aldeias indígenas, a região também conhecida como Mosaico de Áreas Protegidas do Extremo Sul da Bahia (Mapes) inclui terras privadas e sofre a pressão forte do uso de madeiras nativas da Mata Atlântica, normalmente adquiridas de forma ilegal.
“A devastação no extremo sul da Bahia é muito recente”, conta Paulo Dimas. “O primeiro trecho que os europeus ocuparam no litoral foi o último a ser colonizado porque a colonização foi proibida aqui quando descobriram as Minas Gerais.”
Para proteger o ouro descoberto no século 17 no interior do Brasil, foi proibida a instalação de colonos do norte do Espírito Santo até o sul da Bahia. Os povos indígenas que ali estavam serviam como escudo, impedindo a entrada de não-portugueses na região das minas.
Já na década de 1880, a construção da Estrada de Ferro Bahia-Minas impulsionou o desmatamento, que, seguido pelas frentes agropecuárias, se intensificou com o asfaltamento da BR-101 na década de 1970.
“Com o incentivo da Ditadura Militar, se instalaram aqui mais de 200 serrarias e acabaram com a mata em 20 anos”, conta Dimas. “Na década de 1990 já quase não tinha floresta a não ser o que depois foi transformado em Parques Nacionais”.
Se alguns acusam os indígenas de desmatar a área, especialistas afirmam que o uso que eles fazem da madeira para o artesanato é irrelevante comparado ao histórico de devastação da região.
“O nosso histórico comprova que não são eles. Eles são os que mais sofrem e que são explorados até hoje nessa questão da retirada de madeira”, diz Marcos Lemos. “Já não é tão frequente, mas ainda existe uma exploração desumana para o homem
que corta essa madeira, porque ela é feita de maneira artesanal e vendida a preços muito baixos, o que chega a ser uma degradação da condição humana.”
Conflitos com fazendeiros
Nos últimos anos, a Cooplanjé e os sistemas agroflorestais produtivos surgiram como alternativa ao uso da madeira no território Pataxó.
“Várias famílias saíram da atividade de extração e beneficiamento de madeira para a atividade de restauração e implantação agroflorestal”, diz Paulo Dimas. “Se a gente tivesse mais recursos, o ideal seria tirar todas as famílias dessa atividade e transformá-las em famílias que vivem de floresta.”
Apesar do avanço, o povo Pataxó vive situação de constante conflito com fazendeiros. “Aqui no território de Barra Velha, próximo ao Parque Monte Pascoal, essa área em que a comunidade [indígena] entrou é área de demarcação que já foi homologada, mas hoje está ocupada pelos fazendeiros”, conta o Pataxó Matias. “A gente já teve um questionamento com o governo e com a Funai para pagar os bens que os fazendeiros têm na terra e liberar o nosso território, mas nunca foi pago. Então a comunidade faz a reivindicação dessa forma, retomando a área.”
Segundo Paulo Dimas, a quantidade de terra em poder dos Pataxó na TI Barra Velha do Monte Pascoal é muito restrita. “Eles têm direito aqui a mais de 50 mil hectares de terras já demarcadas e eles estão em posse de 9 mil hectares. Com isso, eles não conseguem manter as atividades tradicionais e têm que viver de turismo, comércio ou artesanato.”
Matias queria manter as 80 famílias que trabalharam no projeto de restauração financiado pelo BNDES dentro da Cooplanjé, mas não foi possível por falta de novos projetos. No momento, apenas cinco famílias permanecem trabalhando na cooperativa.
“Nosso plano é buscar parceiros e financiadores diretamente, para a gente ter uma organização indígena independente. Buscar outros parceiros para que a gente possa trazer emprego para dentro da comunidade”, conta Matias. “Agora estamos felizes porque estamos construindo uma parceria para entrega de sementes e estamos fazendo também uma parceria com um viveiro de São Paulo para a produção de mudas.”
Fonte: Mongabay Brasil