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Avanço da fronteira agrícola nas últimas décadas coloca espécies de animais do Cerrado em perigo

Avanço da fronteira agrícola nas últimas décadas coloca espécies de animais do Cerrado em perigo
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De 1985 a 2021, foram desmatados 26,5 milhões de hectares do Cerrado, o que significa uma redução de 20% da sua vegetação nativa. De acordo com dados do MapBiomas, um projeto desenvolvido por uma rede de ONGs, universidades e empresas de tecnologia, nesse período sua cobertura vegetal caiu de 67% para 53,1%. Não é de surpreender, portanto, que o bioma seja o terceiro dos seis do país – os outros são Amazônia, Pantanal, Pampa, Mata Atlântica e Caatinga (sete, se contar as regiões marinhas) – com mais espécies de animais com algum grau de ameaça: 302, ou 6,3% das avaliadas.

Dessas 302, 47 estão Criticamente em Perigo (1,8%); 35, Em Perigo; e 64 são classificadas como Vulneráveis. Os números foram levantados pelo Sistema de Avaliação do Risco de Extinção da Biodiversidade (SALVE), do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), que tem como principal objetivo avaliar o risco de extinção das espécies e tornar essas informações acessíveis para ajudar na criação de políticas públicas para conservação da biodiversidade do país.

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Trata-se de uma plataforma online que reúne informações sobre cerca de 15 mil espécies de animais avaliadas quanto a seu risco de extinção. Desse total, 5.513 possuem uma ficha com todos os seus dados disponíveis ao público, entre as quais 1.253 estão em alguma categoria de ameaça. No Cerrado, o principal fator que coloca em risco as espécies é o desmatamento e a consequente destruição de habitats, o que, por sua vez, é causada pela abertura de novas áreas para a agropecuária, especialmente para a expansão das lavouras de soja.

Cerrado: Serra da Petrovina, em Mato Grosso — Foto: Lucas Ninno/ GettyImages
Cerrado: Serra da Petrovina, em Mato Grosso — Foto: Lucas Ninno/ GettyImages

Ainda segundo o MapBiomas, a cultura dessa oleaginosa foi a que mais cresceu no bioma, com a área plantada passando de 0,7% do total para os atuais cerca de 10%. Isso ocorreu às custas da devastação do ambiente natural. “De longe, a principal causa dessa devastação é a abertura de novas áreas para lavouras e o avanço da agricultura mecanizada”, conta o biólogo Cristiano de Campos Nogueira, pesquisador de apoio científico à Coordenação de Avaliação do Risco de Extinção das Espécies da Fauna (Cofau), do ICMBio.

De acordo com ele, esse fenômeno vem se alastrando continuamente no Brasil Central desde a década de 80 do século passado. “Começou por Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e agora subiu e está lá na Bahia, Tocantins, Piauí, Maranhão, região conhecida como Matopiba”, explica. “A devastação vem acontecendo rapidamente. Só no ano passado, quase oito mil quilômetros quadrados de Cerrado foram desmatados. Foi a maior taxa registrada desde 2019. Um aumento de 43 % em relação a 2022.”

Isso torna a situação do Cerrado bastante preocupante. O bioma tem o segundo maior conjunto de espécies ameaçadas, atrás apenas da Mata Atlântica, que tem 561. Apesar disso, sua situação é pior. “A grande diferença em relação à Mata Atlântica é que o dano a este bioma já foi feito desde o início da colonização do Brasil, ou seja, é histórico”, explica Nogueira. “Hoje ele está estável. Em alguns lugares, a Mata Atlântica está até se recuperando em certos aspectos, com reflorestamento, por exemplo.” Segundo Nogueira, hoje ela não é mais uma área de desespero, mas de esperança. “Nos últimos 50 anos, foram realizadas muitas atividades de recuperação na Mata Atlântica”, lembra. “Há legislação específica para [proteger e recuperar] o bioma. Nada disso existe para o Cerrado. Ele continua sendo devastado. Enquanto estamos conversando aqui, há gente lá devastando, principalmente no Matopiba.”

Por isso, a lista de espécies ameaçadas do Cerrado, que já é grande, certamente deve aumentar bastante nos próximos 10 anos, 15 anos. “Isso vai ocorrer, porque a devastação não para”, alerta Nogueira. “O Cerrado continua batendo recordes de desmatamento. É a região do Brasil com maiores taxas anuais. Muito maior que a da Amazônia. E claramente também muito, mas muitas vezes mais elevada que a da Mata Atlântica, que está relativamente estável.”

Além do avanço da fronteira agrícola, com o seu consequente desmatamento, Nogueira diz que o Cerrado enfrenta outro grave problema: a falta de informação, a falta de reconhecimento pela população. “As pessoas veem aquele descampado e acham que não tem nada lá”, explica.

Pensam, o Cerrado não tem tantas espécies assim, não é importante, é pobre em animais, a fauna é generalista. Isso é algo que também permeia os meios de comunicação, as pessoas, as escolas e até os pesquisadores, em alguns aspectos. Há quase um preconceito contra o bioma.
— Cristiano de Campos Nogueira

Além disso, acrescenta Nogueira, existe também um preconceito, um viés em favor dos ambientes florestais. “Isso é uma questão cultural”, diz. “No Brasil, em Portugal, a floresta é mais valiosa, o campo, as savanas são ambientes secundários.” Isso também se vê em relação ao Pampa e a Caatinga. No caso do primeiro, é comum as pessoas dizerem que só tem grama e não serve para nada.

No entanto, o Pampa é um bioma muito importante, com mais espécies de vertebrados do que o Pantanal, por exemplo. Apesar disso, é pouco protegido. “Se não me engano, é uma das regiões do Brasil menos protegidas por parques e reservas”, diz Nogueira. “O Cerrado também está nessa situação. Quase não tem proteção de parques nacionais, várias de suas áreas estão praticamente desprotegidas. A situação do Pampa é mais grave ainda nesse aspecto. Menos de 1% está protegido em reserva. O Cerrado está com 1,2%”, conclui.

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Trajano Xavier

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