Vespeiro. Imagem editada e redimensionada de Ministro 2009 em Wikimedia Commons, sob a licença CC BY-SA 3.0
Do veneno de uma vespa muito comum no Cerrado brasileiro pode sair a cura para algumas doenças degenerativas do sistema nervoso, como a epilepsia, a doença de Parkinson, o mal de Alzheimer, entre outras.
Embora não se tenha encontrado ainda uma cura total para esses quadros de saúde, já houve alguns avanços, sobretudo no tratamento de epilepsia em animais domésticos como o cachorro e o gato.
No veneno dessa vespa estão presentes cerca de 200 peptídeos – compostos formados pela união de dois ou mais aminoácidos. Isolados em laboratório, esses elementos podem ser trabalhados e melhorados para produzir determinados efeitos desejados.
“Já estamos tratando alguns cachorros com epilepsia refratária em colaboração com o Hospital Veterinário da UnB. Esse composto foi promissor também para a doença de Parkinson, impedindo a morte dos neurônios”, completa.
Segundo Márcia Mortari, a neurovespina foi testada em camundongos e, nesses modelos, foi capaz de impedir em 70% a morte dos neurônios. “Fizemos uma ampla avaliação da segurança do uso desse novo medicamento e ensaios para verificar se causa algum efeito tóxico e se pode ser utilizado em humanos. Ele não induziu a nenhum efeito adverso grave”, descreve.
Segundo Lilian dos Anjos Carneiro, que cursou mestrado e doutorado em Biologia e pós-doutorado em Ciências da Saúde na UnB, atuando no Laboratório de Neurofarmacologia, na maior dose testada – de 4 mg/kg – os animais não apresentavam crises epilépticas.
“Ademais, diminuiu a morte neuronal e não apresentou citotoxicidade ou alterações bioquímicas, mostrando uma segurança farmacológica”, assegura ela, que pesquisou o composto por oito anos.
“A Lilian começou os trabalhos. Desenhei o peptídeo e ela fez toda a avaliação do medicamento para o tratamento de epilepsia em modelos animais (camundongos) e também detectou o efeito neuroprotetor”, rememora Márcia.
“Eu me interessei pela epilepsia porque meu pai era epiléptico e eu queria desenvolver algo que pudesse melhorar a qualidade de vida dos pacientes com essa doença, visto que muitos dos medicamentos disponíveis são refratários”, revela Lilian, que hoje atua como professora de Medicina em duas instituições privadas.
“A neurovespina foi uma modificação desse peptídeo e, após vários testes, ela foi seis vezes mais potente que o peptídeo natural. Ou seja, uma dose seis vezes menor dela provoca o mesmo efeito terapêutico. Quanto menor a dose, menos efeitos adversos para os pacientes”, explana Lilian Carneiro, que segue com o vínculo de pesquisadora colaboradora na UnB.
Quanto à patente desse medicamento, ela explica que a condição de inventora traz também uma vantagem importante para sua carreira. “Qualquer coisa que saia [publicada] com o peptídeo neurovespina necessariamente tem que ter meu nome junto: artigos científicos, trabalhos, pesquisas. Mesmo que eu não participe ativamente fazendo experimentos ou dentro do laboratório, meu nome vem vinculado a essa pesquisa, o que é muito bom para o currículo também”, avalia.
PETS X HUMANOS – Hoje uma empresa tem a licença para produzir o medicamento à base de neurovespina que tratará epilepsia em cães e gatos. O produto ganhou o nome Neuropet, está em fase de aprovação e deve ser fabricado em larga escala e comercializado ainda no início de 2022. “Agora estamos estudando a neurovespina numa associação dela com a nanotecnologia”, adianta a Márcia Mortari.
Enquanto isso, ela e sua equipe do laboratório – que conta com cinco a dez alunos para cada linha de pesquisa e cada doença estudada – esperam conseguir financiamento para passar para a fase da pesquisa com humanos.
“Já fizemos a segurança farmacológica em roedores e em primatas não humanos. Não está totalmente finalizada, mas já foi um passo importante. Acho que ano que vem conseguimos aprovação para os animais e estou tentando verba para finalizar os testes pré-clínicos e iniciar os clínicos. Vai dar certo, estou com muita esperança. Preciso de grandes investimentos para conseguir passar para essa fase de experimentação clínica”, declara a pesquisadora.
“Meu trabalho foi basicamente pegar esse composto que já sabíamos que era capaz de tratar uma crise epilética em um camundongo e depois testá-lo para tentar tratar a doença de Parkinson, que tem algumas similaridades, principalmente com a morte de células do sistema nervoso. E deu certo. Diminuiu os déficits motores associados à doença e os animais tiveram uma certa melhora”, conta Gabriel.
“Meu trabalho de doutorado foi tentando identificar onde esse composto age no organismo, tentando descobrir sua ação nas células”, complementa ele, que também consta na patente da neurovespina, no adendo, como inventor, no tocante a atuação relacionada a Parkinson.
“Foi um trabalho feito a muitas mãos. É uma pesquisa longa, é quase como uma criança, que vemos surgindo do zero e vai tomando forma. É difícil conseguir resultados positivos, é muito trabalhoso, mas é muito gratificante. Dá muita alegria, muito orgulho do tipo de trabalho desenvolvido, de olhar para trás e ver nosso trabalho tomando forma, com potencial para um dia chegar a trazer qualidade de vida para as pessoas. A sensação é muito boa, é difícil descrever”, afirma Gabriel Avohay, que também fez o pós-doutorado no Neuropharmalab da UnB e, assim como Lilian Carneiro, leciona atualmente em outra instituição.
AVANTE – Com ou sem patente, a pesquisa não para. Segundo a professora Márcia Mortari, no Laboratório de Neurofarmacologia do IB os estudos levam entre oito e dez anos para resultarem em um produto com potencialidade, “se tudo der certo”.
“Mas andamos com todas as doenças em paralelo. É um laboratório grande, que tem bastante aluno de graduação e pós-graduação”, informa. “Mesmo os que já encerraram seus cursos, continuam vinculados a essas pesquisas, porque se dedicaram muitos anos para o desenvolvimento desse medicamento novo e são sempre lembrados, fazem parte da história desse laboratório e da ciência brasileira.”
Os novatos estão lá aprendendo sobre neurociência, modelos animais e peptídeos de vespa para o tratamento de algumas doenças. “Neste momento estamos começando a estudar o transtorno do espectro autista para tentar desenvolver algum medicamento que possa aliviar os sintomas”, anuncia Márcia.
É o caso da estudante Letícia Veras, de 22 anos, que está no sétimo semestre do curso de Farmácia. Atualmente, tem bolsa da Fundação de Apoio à Pesquisa do Distrito Federal (FAP-DF) para ser colaboradora do projeto sobre autismo.
“Buscamos, com base em um dos peptídeos que já foram descobertos no laboratório, testar a eficácia para tratar comportamentos autistas, como baixa sociabilidade, transtorno obsessivo-compulsivo e ansiedade”, detalha Letícia. “Este é um grande passo, que vai ajudar bastante na minha carreira científica”, acrescenta.
A estudante escolheu Farmácia “para ajudar as pessoas de forma indireta”, mas ao conhecer o Laboratório de Neurofarmacologia da UnB, se apaixonou pela pesquisa e pretende um dia ser professora.
O primeiro artigo de impacto já foi publicado recentemente, em parceria com outros dez pesquisadores – incluindo a professora Márcia Mortari – na revista internacional Reproductive Toxicology, que tem Qualis A2 no conceito da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). O segundo, de acordo com Letícia, já está sendo pensado. “O primeiro foi um artigo de revisão, agora a intenção é escrever mais um sobre a execução do nosso projeto”, arremata.ATENÇÃO – As informações, as fotos e os textos podem ser usados e reproduzidos, integral ou parcialmente, desde que a fonte seja devidamente citada e que não haja alteração de sentido em seus conteúdos. Crédito para textos: nome do repórter/Secom UnB ou Secom UnB. Crédito para fotos: nome do fotógrafo/Secom UnB.