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Cientistas apostam em árvores ‘turbinadas’ contra mudança climática

Cientistas apostam em árvores ‘turbinadas’ contra mudança climática
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O choupo é central para um experimento em larga escala para captura de carbono — Foto: Getty Images 

De todas as potenciais soluções para a crise climática, nenhuma capturou mentes e corações da mesma forma que o reflorestamento. É um objetivo com o qual todos aparentemente concordam: cientistas, políticos, mesmo bilionários, estão colocando suas fichas em esverdear o planeta com novas florestas que irão capturar carbono e (com sorte) mantê-lo dentro de troncos e do solo por décadas.

Mas nenhuma solução para o clima é simples assim. Muitos estudos sugerem que campanhas de plantio nem sempre entregam os benefícios que prometem. Se florestas recém-plantadas não forem monitoradas e cuidadas de forma apropriada, árvores podem morrer e qualquer carbono que elas tenham estocado é lançado de volta à atmosfera. Para início de conversa, às vezes nem há mudas o bastante para programas do tipo. O entusiasmo em massa sobre iniciativas de replantio acabou sofrendo rebotes. Cientistas argumentam que plantar árvores é importante, claro, mas não dá para se enganar e acreditar que seja uma solução mágica para os vastos desafios da crise climática.

Outros especialistas apontam para um problema diferente: as árvores em si. E se elas não são boas o bastante para estocar carbono? Caso cientistas conseguissem bolar uma maneira de aumentar seu potencial carbônico, seria possível acessar maneiras mais eficientes de prender dióxido de carbono a cada muda plantada. Uma melhor árvore pode ser o grande pulo do gato. Só é preciso criá-la.

Maddie Hall, CEO e fundadora da startup ambiental Living Carbon, está desenvolvendo a ‘versão Tesla’ das árvores. “Não apenas uma árvore que seja melhor para o meio ambiente, mas que cresça mais rápido e seja capaz de sobreviver ou dar resultados melhor que variedades tradicionais”, diz. “Muito disso se deve a como melhorar sua taxa de crescimento e potencial de captura de carbono”.

Plantas pegam dióxido de carbono e luz solar e as transformam em composto orgânico num processo quase milagroso, uma alquimia biológica que dá suporte a quase toda a vida na Terra. Mas esse processo – a fotossíntese – também é ineficiente. Apenas uma pequena fração da luz do sol que cai sobre as folhas de fato se transforma – no caso de boa parte da flora, 95% dessa energia acaba desperdiçada. Para especialistas como Amanda Cavanagh, da Universidade de Essex, Reino Unido, este detalhe é uma oportunidade. Caso ela consiga encontrar uma maneira para que as árvores resolvam parte dessa ineficiência, elas podem usar a energia extra em prol do seu crescimento. Assim como a maioria dos pesquisadores da área, o foco de Cavanagh está em plantas de crescimento rápido que possam alimentar mais pessoas, mas a mesma abordagem também pode ser uma benção para a diminuição do gás carbônico na atmosfera.

Árvores de fotossíntese aprimorada podem agilizar o processo de transformar carbono atmosférico em troncos, plantas e raízes. Pelo menos na teoria.

Em 2019, Cavanagh e seus colegas publicaram um estudo na revista Science que dá fortes indícios de que a equipe possa ter achado algo valioso. Ao inserir alguns novos genes na planta do tabaco, os cientistas podiam fazê-la reciclar o refugo da fotossíntese e transformá-lo em moléculas para seu crescimento. Quando foram plantadas, os indivíduos ‘editados’ por Cavanagh aumentaram sua produtividade em 40% se comparadas à sua versão comum (a planta do tabaco é o rato de laboratório do mundo vegetal – o objetivo final é repetir o truque com espécies como trigo e soja).

Uma startup californiana está testando a mesma abordagem, mas desta vez com o choupo. Em uma pré-publicação que ainda não passou pela análise cruzada de especialistas, primeiro divulgada em 19 de fevereiro, cientistas da Living Carbon dizem que, ao inserir novos genes nessa espécie, eles podem fazê-la crescer 53% mais rápido que a versão não editada. Ambos os conjuntos de árvores foram cultivados em condições controladas que se diferenciam ligeiramente do que elas encontrariam em florestas reais, mas Hall espera que suas plantas modificadas vão aprimorar planos de reflorestamento, capturando dióxido de carbono mais depressa.

“Acreditamos que a mudança climática é um problema de taxas relativas. Também é algo que não podemos resolver com processos fabricados por nós e que exigem atenção intensa, como captura direta do ar”, diz. (essa técnica envolve construir dispositivos que possam limpar da atmosfera o dióxido de carbono – outros são fabricados para capturar metano – mas por uma estimativa recente, seriam necessárias 10 mil máquinas dessas para realmente afetar os níveis de CO2). O eventual modelo de negócios da Living Carbon será plantar suas árvores geneticamente modificadas em lotes alugados de entidades privadas. Esses donos de terras receberão uma parcela do dinheiro ganho pela venda de créditos de carbono relativa ao crescimento dessas árvores.

Quando boa parte das plantas realizam fotossíntese, é produzido um subproduto tóxico chamado fosfoglicolato. Elas precisam gastar energia para quebrá-lo – em um processo que se chama fotorrespiração. As árvores editadas da Living Carbon contam com um conjunto extra de genes das algas e da abóbora, que ajuda a usar menos energia, além de reciclar alguns dos açúcares criados nessa etapa. Esta abordagem era um objetivo óbvio para criar plantas mais eficientes, diz Yumin Tao, VP de biotecnologia da empresa. “Você canaliza o subproduto em energia e nutrientes para o crescimento”, diz. Quanto mais a planta cresce, maior a captura de carbono.

Tao e seus colegas cultivaram seus choupos por 21 semanas em um laboratório antes de colher e pesá-las, para entender quanta biomassa foi acumulada. A muda que mais se desenvolveu exibiu 53% a mais de volume na porção da árvore que fica fora do solo que as plantas comuns. Testes também mostram que os choupos modificados absorvem mais carbono em comparação seus ‘primos’ não-editados. É um indicador de que essas plantas apresentaram maior taxa de fotossíntese.

“É um primeiro passo animador”, diz Cavanagh, que não estava envolvida na pesquisa da Living Carbon. Mas ela alerta que, por ora, não se sabe se essas árvores serão melhores em captura de carbono no longo prazo. Os choupos editados foram colhidos após cinco meses apenas, mas em florestas eles podem viver por mais de 50 anos. Apenas um acompanhamento mais longo revelará se esse crescimento aprimorado continuará em seu amadurecimento. Esse desenvolvimento pode desacelerar, ou os choupos podem ficar doentes a ponto de cair, liberando carbono para a atmosfera conforme apodrecem. “O efeito observado na fase de muda é o mesmo em diferentes fases de sua vida, ou a planta reage diferente?”, questiona Cavanagh.

Logo essa questão será posta a teste. A empresa já plantou 468 de suas plantas de fotossíntese aprimorada na região central de Oregon, parte de um teste de campo realizado em parceria com a Universidade Estadual do Oregon. A companhia vai analisar a velocidade de crescimento das árvores por longos períodos de tempo, assim como ver como elas se adaptam a ambientes diversos. A Living Carbon também tem sinal verde para plantar choupos criados através de uma técnica ligeiramente diferente em cerca de 1,4 km2 de terras privadas nos Estados Unidos. O primeiro plantio deve ocorrer no fim de 2022, de acordo com Hall.

Mas alguns cientistas especializados acreditam que há um caminho mais simples para árvores melhores: cultivá-las de forma tradicional. A humanidade vem criando novas variedades há séculos, diz Richard Buggs, biologista evolucionário que estuda saúde das plantas no Kew Gardens em Londres. “Concordo totalmente com a premissa central, de que precisamos de árvores mais produtivas para eliminar o carbono mais rápido. Só acho que há uma oportunidade fantástica para aproveitarmos da variação que já existe na naureza”, diz Buggs. Geralmente, o cultivo envolve unir duas variedades através de polinização cruzada – fertilizando as flores de uma árvore com o pólen de outra – ou reforçar um traço genético desejado ao polinizar a própria planta dona dessa característica.

Ao invés de mexer com algo tão fundamental quanto a fotossíntese, Buggs sugere que há outras características que possam ser mais úteis para gerar árvores mais eficientes. “Há um bocado de coisas já acontecendo na natureza afetando o desenvolvimento de plantas com as quais poderíamos trabalhar”, comenta, listando variações na velocidade de crescimento de árvores, quão reto são seus troncos e quando suas folhas caem. Tudo afetaria sua capacidade para captura de carbono, explica o especialista. “Prefiro esse tipo de abordagem, acho mais realista e é mais provável que você termine com uma árvore que irá sobreviver no meio ambiente, resolvendo o problema do carbono no longo prazo”, conclui.

Hall não almeja enormes parques florestais repletos de árvores geneticamente modificadas. Ela diz que, em boa parte do tempo, elas serão cortadas para produção de madeira – outra razão para acelerar seu crescimento. Outras companhias estão interessadas em espécimes de rápido desenvolvimento: em 2015, o governo brasileiro aprovou um eucalipto modificado por uma companhia de celulose para um aumento de 20% na produção de madeira.

O debate entre o plantio natural e a engenharia genética é parte do mundo da agricultura há meio século. Agora uma conversa similar começa a surgir também no campo do reflorestamento. Talvez seja possível cultivar árvores mais produtivas, mas isso pde levar décadas. Tempo que provavelmente não teremos, diz Cavanagh. “30 anos será o fim de minha carreira”, diz. “Gostaria de garantir que fiz de tudo para oferecer alternativas se tudo terminar tão mal quanto as projeções mais pessimistas”.

Este conteúdo foi desenvolvido pela GQ

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Trajano Xavier

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