Livro de Luciano Candisani lança novo olhar sobre o bioma do Pantanal
A fotografia de natureza está imbricada à vida do fotógrafo paulista Luciano Candisani, 51, desde a sua adolescência. “Trabalho dentro da temática ambiental já há quase 30 anos e o que me levou a abraçar a fotografia como forma de expressão foi minha ligação com a água, especialmente com o mar”, explica ele, revelando que desde criança começou a praticar mergulho. “Eu cresci no litoral paulista e foi o encantamento pelo ambiente submarino que me fez ter o desejo, a vontade, de compartilhar as histórias que eu começava a descobrir no fundo do mar”.
Inspirado por publicações como a “National Geographic” e pelos filmes de Jacques Costeau, ele conseguiu adquirir sua própria câmera e, sozinho, tratou de decifrar os meandros da fotografia subaquática. “Naquele momento, ainda sem saber que fotografar a água, o mar e a natureza se tornaria a minha profissão, Hoje eu me descreveria como um contador de histórias da natureza, e eu faço isso usando narrativas visuais”.
Narrativas que são apresentadas em livros como “Terra D’Água Pantanal” (Vento Leste Editora), que o fotógrafo lança na capital mineira nesta sexta, a partir das 17h, na Livraria da Rua, na Savassi.
A obra – belíssima, vale ressaltar, de uma potência ímpar – é fruto de dez anos de idas constantes à maior planície inundável do mundo. E o início de toda essa peregrinação pode ser detectado num encontro casual com um jacaré. Mas antes de contar essa história, vale voltar no tempo e situar o momento em que Candisani começa a realizar o sonho de ter sua produção publicada em uma das revistas mais famosas do mundo: sim, a “National Geographic”. “Sempre foi um objetivo pra mim, porque ela tem na narrativa visual e na temática ambiental o seu principal elemento. E o alcance dessa publicação – 40 milhõies de leitores – faz realmente com que a gente sempre procure trabalhar e publicar nela”, reconhece.
Foi por meio da revista que ele voltou ao Pantanal em 2010, para fazer uma reportagem sobre as arraias de água doce e a ligação deles com o homem pantaneiro, que, como diz o fotógrafo, teme muito esse animais pelo perigo do ferrão venenoso. “E como elas andam em águas rasas em épocas de cheia, os acidentes são comuns. Então, fui lá para contar essa história na revista”. Luciano já havia ido ao Pantanal na adolescência, com o pai. “Curioso lembrar que já naquele momento (na visita com o genitor) levei uma máscara de mergulho, por estar indo para a maior planície inundada do planeta. Mas não usei, porque estava em uma região de águas turvas, como boa parte dos rios de lá são, naturalmente turvos. Mas se criou ali um grande entusisamo. Fiquei realmente fascinado por aquele mar de água doce – para mim é um mar de água doce”.
De volta à reportagem sobre as arraias, Luciano conta que estava concentrado nelas quando, por acaso, viu um jacaré. “Ele estava ali, embaixo da água, paradão. Houve aquele medo inicial, mas depois percebi que ele não se mexia, e comecei a me aproximar. Fiz as primeiras fotos e no fim, percebi, naquele encontro casual, que seria possível uma aproximação dos jacarés sob a água. Ficou muito claro naquele momento que eu poderia fazer uma ampla documentação”.
O fotógrafo aventa que o jacaré talvez seja um dos animais mais fotografados do mundo. “E todo mundo que vai ao Pantanal ‘tropeça’ nesse bicho, é fácil fotografar. Porém, a vida deles nunca tinha sido mostrada em profundidade, em todos os aspectos mais impressionantes que acontecem debaixo da água”. E o que constatou ali, na verdade, o fato de o animal não ter se movimentado diante de sua presença, decorria de um comportamento que deixou o fotógrafo maravilhado. “É o seguinte: durante um período do ano, que é a época das vazantes, quando a planície começa a secar, as águas da inundação começam a voltar para os rios. E nesse processo, os peixes espalhados pelos campos inundados, em grandes cardumes, voltam para os rios. Aquele jacaré estava parado ali e não reagiu à minha presença porque estava totalmente concentrado, direcionando as energias disponíveis para permanecer ali, estático, esperando literalmente um peixe passar na boca dele. Fica à espreita, e, nesse caso, a oferta de alimento era muito abundante, farta. Então, foi a observação daquele comportamento que me deu ideia de fazer uma ampla documentação sobre a vida desses animais, e assim foi”.
Luciano Candisani rememora que mandou a proposta para a sua editora na National Geographic americana. “Ela adorou as primeiras fotos e possibilidade, e me apoiou na produção dessa matéria. Como se sabe, em uma reportagem para essa publicação você precisa de profundidade e ângulos novos e inusitados. Pode até contar histórias que já foram contadas, mas com outro recorte, outra perspectiva, outra capacidade de levar os leitores a se envolverem. E, em busca disso, eu percorri muitas áreas do Pantanal, a partir daquele momento, para encontrar locais com águas suficientemente claras, com presença de jacarés em todas as fases do ciclo de vida deles, para a reportagem. Nessa busca, descobri muitos ambientes interessantes de água doce, as raras janelas para o mundo subaquático do Pantanal. Chamo de ‘janelas’, porque a maior parte das águas pantaneiras são, como eu disse, turvas, naturalmente turvas, pelo sedimento dissolvido na água. Porém, em alguns poucos locais, a água é clara, por uma série de fatores ambientais. Seriam as janelas, raras janelas para esse mundo subaquático riquíssimo, cheio de vida. Na busca por fotografar os jacarés para a reportagem, fui descobrindo essas janelas, fui montando, fotografando toda a narrativa que agora está reunida aqui, depois de dez anos, nesse ‘Terra d´’Água Pantanal'”.
A reportagem “A Volta dos Jacarés” foi publicada com sucesso, sendo capa da revista em vários paises. Com a conclusão dessa jornada, ele passou a ampliar a documentação para os ambientes de água doce em geral, produzindo as fotografias que estão neste livro. São dez anos de trabalho dentro do tema das águas formadoras do Pantanal, e essa história não poderia ser repassada senão em um livro. Aliás, Luciano confessa que é um apaixonado por livros, e os considera o suporte definitivo para as narrativas que produz. “Então, sempre penso em livro, não nenhum há trabalho grande que eu faça que eu não veja a conclusão dele num livro. Porque revistas vão e vêm, as exposições também, mas os livros ficam”.
Um aspecto que ele salienta é que o livro traz, já no início, na capa e na primeira parte, um chamado para uma reflexão. “O Pantanal é a maior planície inundável do planeta, mas, desde 1985 até hoje, já perdeu mais da metade da sua superfície de água, e vem perdendo cada vez mais, com consequências devastadoras, como as queimadas que acontecem agora, porque as secas são cada vez mais profundas e vastas. Eu digo isso para falar que esse livro traz, já na capa e na primeira parte, uma ampla abordagem sobre as nascentes que provêm, que abastecem o Pantanal. Veja, não existem nascentes nas planícies, elas estão nos planaltos ao redor, e exatamente neles, estão vulneráveis, degradadas – e a quantidade de água vem diminuindo”, desola-se.
Como numa provocação, ele dá início à sua narrativa visual mostrando as águas das nascentes, ou seja, Luciano não desvincula a planície das nascentes por essas estarem geograficamente em outro ambiente. “Não, eu estou considerando tudo do ponto de vista funcional e do ponto de vista de conservação, então, eu não desvinculo o Pantanal das nascentes, porque se você tem uma situação de conservação boa na planície, isso não é verdade para essas nascentes no planalto. A capa do livro já traz as águas cristalinas de uma das nascentes localizada no planalto da Bodoquena, e a primeira parte, que é chamada água de nascente, ela foi feita e pensada realmente para impactar o leitor de cara com a riqueza, a beleza e a pujança biológica que essas águas que brotam no chão sustentam no curso inicial dos rios que depois vão formar o Pantanal. E a situação é realmente muito preocupante hoje em dia, com a diminuição drástica do nível de água”, alerta.
O projeto conta ainda com uma Edição de Colecionador, aos moldes de Magna, de Cristiano Xavier, patrocinada pela Vento Leste e que será doada para o Documenta Pantanal. Toda a renda será revertida para entidades engajadas no combate aos incêndios na região.
Todas as fotografias do livro são apresentadas em página dupla, sem interferências na narrativa visual. De acordo com a editora, para maximizar a experiência do leitor, legendas descritivas foram reunidas em um encarte desenhado para possibilitar uma leitura confortável: são textos em grande parte extraídos das notas de campo originais de Candisani.
Serviço
“Terra D’Água Pantanal”
Luciano Candisani
https://www.instagram.com/lucianocandisani/
Preço: R$160
Vendas pelo site: www.ventoleste.com
https://www.instagram.com/vento.leste/
Livro + Conversa (Belo Horizonte)
Luciano Candisani + Érico Hiller + Cristiano Xavier
Lançamento: Nesta sexta, dia 1º, às 17h. Às 19h, haverá um bate-papo do autor com Cristiano Xavier e Érico Hiller, no mesmo local
Livraria da Rua: Rua Antônio de Albuquerque, 913, Savassi
https://www.instagram.com/livrariadarua/
Fonte: O Tempo