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Rede Sementes do Xingu mostra valor da produção comunitária e inspira novas conexões

Rede Sementes do Xingu mostra valor da produção comunitária e inspira novas conexões
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Em um país como o Brasil, em que o passivo ambiental de restauração é imenso, a coleta de sementes para reflorestamento é um caminho promissor para recuperar 12 milhões de hectares de florestas até 2030, meta assumida pelo país no Acordo de Paris, em 2015. A Rede Sementes do Xingu, maior rede de coleta de sementes nativas do Brasil, nasceu em 2007 com o propósito de proteger e recuperar as matas nativas de nascentes e beiradas de rios na região da bacia do rio Xingu.

O ponta-pé para o projeto ocorreu em 2004 durante o Encontro das Nascentes do Rio Xingu, idealizado pelo Instituto Socioambiental (ISA), que uniu povos indígenas da região, setor público, terceiro setor, sociedade civil, academia e pequenos e médios fazendeiros para discutir formas de preservar as nascentes da região ameaçadas pelo aumento do desmatamento. A rede se formou na esteira da campanha ‘Y Ikatu Xingu (“Salve a Água Boa do Xingu”, na língua indígena kamayurá), capitaneada pelo ISA, e nasceu com o objetivo de cultivar a vegetação nativa de forma econômica e eficiente, restaurando a qualidade e a disponibilidade de água em toda a região.

Desde 2007, a Rede Sementes do Xingu realiza a coleta de sementes ano a ano para reflorestar áreas da floresta Amazônica e do Cerrado brasileiro e gerar impacto socioeconômico para povos indígenas e agricultores familiares. Em 2023, bateu seu recorde de comercialização, conquistando a marca de 35,3 toneladas, capazes de restaurar até 791 hectares de área degradada.

Foi um chamado dos povos daquele território para restaurar as nascentes do Xingu que ficaram fora da demarcação das terras indígenas e, por isso, estavam sendo ameaçadas. A qualidade da água é a pauta comum para todos os povos e a organização nasce do propósito de coletar as sementes da região e restaurar nascentes.
— Bruna Ferreira, diretora-executiva da Rede de Sementes do Xingu.

São 600 coletores espalhados por 26 Grupos de Coleta, sendo doze indígenas (60%), sete assentamentos da agricultura familiar, dois grupos urbanos e cinco mistos. Do total, 80% são mulheres coletoras. “Existe uma reconexão das mulheres com a natureza. A maioria delas ficava dentro de casa, agora, elas têm a oportunidade de adentrar a floresta, andarem descalças, comerem frutas direto do pé e isso tem gerado a melhoria da saúde mental e o resgate da alimentação tradicional”, conta ao Um Só Planeta a diretora-executiva da Rede de Sementes do Xingu, Bruna Ferreira, que também enfatiza a participação ativa das mulheres nas tomadas de decisão da Rede.

Sementes nativas da Amazônia coletadas pelo grupo. — Foto: Bianca Moreno/ ISA e ARSX
Sementes nativas da Amazônia coletadas pelo grupo. — Foto: Bianca Moreno/ ISA e ARSX

A organização também realiza um trabalho direcionado aos jovens das famílias coletoras, incentivando os estudos em áreas urbanas, mas também o retorno às suas terras para aplicar o conhecimento adquirido. “Acreditamos nesse complemento de renda para um conjunto de famílias que são marginalizadas, que sofrem racismo, machismo. Acreditamos no protagonismo das mulheres. O jovem de hoje é o ancião de amanhã. E sabemos que semear o Brasil é o que nos permite restaurar também as relações humanas”, reforça Rodrigo Junqueira, secretário-executivo do Instituto Socioambiental.

O trabalho de reflorestamento da organização é feito pelo método muvuca, técnica em que as sementes são misturadas e semeadas diretamente no solo. “As mudas eram caras, não tínhamos quase nenhum viveiro na época, as estradas eram ruins e não tínhamos mão de obra especializada. A muvuca de sementes surgiu como a solução mais eficaz. As sementes são dispersadas com o mesmo maquinário que os fazendeiros utilizam para soja, milho e outros cultivos”, comenta Junqueira, que celebra o poder do trabalho coletivo.

A semente tem um poder muito forte de transformação também da relação entre as pessoas e para juntar mundos tão diferentes em prol de algo em comum. Não existe muvuca de sementes sem muvuca de gente”,
— Rodrigo Junqueira, secretário-executivo do Instituto Socioambiental.
Rede Sementes do Xingu: são 600 coletores espalhados por 26 Grupos de Coleta, sendo doze indígenas (60%), sete assentamentos da agricultura familiar, dois grupos urbanos e cinco mistos. — Foto: Erik Vesch/ISA
Rede Sementes do Xingu: são 600 coletores espalhados por 26 Grupos de Coleta, sendo doze indígenas (60%), sete assentamentos da agricultura familiar, dois grupos urbanos e cinco mistos. — Foto: Erik Vesch/ISA

Na Rede Sementes do Xingu, mistura-se de 45 a 80 espécies por hectare de um total de 147 espécies trabalhadas. “O plantio a partir de mudas é mais caro, mais trabalhoso e mais delicado, tem a questão do cuidado com as mudas e da vulnerabilidade aos eventos climáticos extremos. A técnica de muvuca permite que 3 mil plantas sejam plantadas por hectare. Sua logística também é mais fácil. Do ponto de vista de geração de renda, no caso das mudas, essa renda fica concentrada em um ou dois viveiristas, com as sementes, temos mais de 600 colaboradores beneficiados apenas pela nossa organização”, acrescenta a diretora-executiva.

Além disso, a parceria com 20 assentamentos e 25 aldeias permite o acesso à variabilidade genética das espécies. “Nosso objetivo é também preservar as matrizes. Mantemos o cerrado de pé e conseguimos a possibilidade de permanência na terra por essas populações geralmente desassistidas. A Rede é uma plataforma de venda e comercialização de sementes, mas também gera soberania alimentar, permanência na terra pelas comunidades tradicionais e transferência de conhecimento transgeracional”, complementa Ferreira.

Coleta de sementes nativas do Xingu. — Foto: Erik Vesch _ Cama Leão/ISA
Coleta de sementes nativas do Xingu. — Foto: Erik Vesch _ Cama Leão/ISA

Mais de R$ 7 milhões aos coletores

Localizada em diferentes territórios ao longo das bacias dos rios Xingu, Araguaia e Teles Pires, no estado de Mato Grosso, a Rede de Sementes do Xingu coletou e comercializou cerca de 353,5 toneladas de sementes de mais de 220 espécies diferentes, desde a sua formação em 2007, gerando a renda de aproximadamente R$ 7,2 milhões aos coletores e contribuindo para a restauração de quase 9 mil hectares.

Os clientes são acionados no início do ano, na época do potencial de coleta. Até maio, os contratos são fechados e as listas de sementes são enviadas aos coletores. Após as entregas serem feitas nas Casas de Semente, o pagamento é feito em até 20 dias aos coletores. Cada semente tem sua época de coleta e preço próprios, baseado no valor de sua diária, considerando o tempo gasto para coletá-la, limpá-la e secá-la, e se é uma espécie rara ou em extinção.

Potencial de novos negócios

Por realizar o seu trabalho no Mato Grosso, a Rede de Sementes do Xingu tem sido resiliente em relação aos desafios enfrentados pelo avanço do agronegócio. A busca pelo “agir em conjunto” é um dos caminhos para o ganho de escalabilidade no setor da restauração no Brasil. “Acreditamos no futuro em conjunto: é possível trabalhar com sementes nativas no coração do agro. O grande passivo ambiental está nas médias e grandes fazendas e a agricultura não é possível sem um Cerrado ao lado. A água é fundamental e sem a floresta, ela não existe”, destaca Bruna.

Foi com este olhar que a Fundação Bunge, pilar social da Bunge no Brasil, uma das maiores empresas globais do agronegócio, lançou o projeto Semêa, que trabalha com a agricultura de baixo carbono com foco em práticas regenerativas para ampliar ações e conhecimentos que estimulem a preservação do solo, floresta e água. O projeto é feito em parceria com 29 famílias de agricultores assentados, 13 pequenos produtores rurais, além de indígenas de três Terras Indígenas dos povos Xavante e Boe Bororo.

Reflorestamento na Terra Indígena Pimentel Barbosa, em Canarana (MT) — Foto: Keiny Andrade/ Bunge
Reflorestamento na Terra Indígena Pimentel Barbosa, em Canarana (MT) — Foto: Keiny Andrade/ Bunge

Realizado em Canarana (MT), o objetivo é incentivar a formação e disponibilização de tecnologia para recuperação de nascentes, preservação e reflorestamento, além de práticas sustentáveis como o sistema de Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF) e a polinização de lavouras por meio de abelhas. “O projeto surgiu como uma solução para trabalhar a agricultura regenerativa de forma integrada ao agronegócio, conectando o grande produtor ao produtor familiar e aos povos tradicionais. Os indígenas na área de preservação, o pequeno agricultor na segurança alimentar e o grande produtor com as commodities e produção de biocombustíveis. Sabemos que o agronegócio também depende de um clima estável, de água e de floresta”, explica Cláudia Calais, diretora-executiva da Fundação Bunge.

Em parceria com a Rede Sementes do Xingu, a organização iniciou o reflorestamento de 52 hectares da Terra Indígena Pimentel Barbosa, em Canarana, com o objetivo de recuperar a área com espécies nativas do cerrado e promover o adensamento com árvores como pequi e baru para posterior extrativismo para alimentação e geração de renda para as comunidades indígenas.

“Do ponto de vista ambiental, a técnica de muvuca garante uma mata secundária mais próxima ao que foi a original e, do ponto de vista econômico, gera renda aos povos tradicionais. Queremos levar este projeto para grandes produtores também, dentro da cadeia produtiva da Bunge. Estamos olhando para o reflorestamento em áreas degradadas e regiões de morro onde a produção é mais desafiadora”, enfatiza a diretora. A Fundação Bunge investiu R$1,6 milhão na fase inicial do projeto. Outros R$ 3 milhões devem ser investidos na expansão até 2025.

Projeto Semêa, da Bunge, focado em agricultura de baixo carbono. — Foto: Keiny Andrade/Bunge
Projeto Semêa, da Bunge, focado em agricultura de baixo carbono. — Foto: Keiny Andrade/Bunge

A Rede também mantém uma parceria com a Black Jaguar, organização que participa da criação do Corredor de Biodiversidade Araguaia através do plantio de 1,7 bilhão de árvores nativas em até 6 mil hectares. Criado em 2018, o projeto tem a missão de plantar o maior corredor de biodiversidade do mundo e se tornar o maior projeto de reflorestamento na América do Sul.

“Estamos nos preparando para o próximo plantio, a fim de completar os primeiros 600 hectares. De 2018 até 2023 compramos 16 toneladas de sementes da Rede Sementes do Xingu. Entendemos que a técnica de muvuca é a melhor para a escalabilidade que queremos atingir. O pioneirismo da Rede foi essencial para abrir os caminhos para o nosso trabalho complementar”, comenta Dimitrio Schievenin, coordenador de projetos de restauração da organização.

Restauração ecológica com sementes do Xingu. — Foto: Bianca Moreno/ ISA e ARSX
Restauração ecológica com sementes do Xingu. — Foto: Bianca Moreno/ ISA e ARSX

À medida que a restauração na Black Jaguar foi escalando, a organização se deparou com a demanda de criar sua própria rede de coleta de sementes. “É algo que fizemos recentemente e estamos com 80 coletores no momento. Continuamos comprando da Rede de Sementes do Xingu que é nossa grande parceira, principalmente as espécies que não temos por aqui. Foram eles que nos ensinaram o caminho das pedras, sempre dispostos a compartilhar suas experiências e aprendizados, conhecimento que nunca ficou guardado neles. Por isso, são a nossa grande referência de um trabalho bem sucedido”, explica Laís D’Isep dos Santos, analista de produção de sementes. A meta da organização para este ano e para o próximo é de reflorestar 200 hectares.

Assim como o surgimento da Rede de Sementes do Araguaia, dentro da Black Jaguar, a Rede de Sementes do Xingu também despontou para a importância da criação de uma articulação entre as redes e grupos de coletores para estruturar a base da cadeia de sementes para restauração da floresta amazônica e do Cerrado no país. Foi a partir desta demanda que nasceu o Redário, reunindo 24 redes, a maioria de base comunitária, com cerca de 1.200 coletores, sendo mais da metade mulheres. As ações de produção e plantio vêm sendo desenvolvidas em 5 biomas, concentradas em 12 estados localizados na Mata Atlântica, Cerrado e Amazônia.

“As consequências da restauração não ficam só aqui, elas se tornam consequência para o planeta. Queremos provar que a semente não é um gargalo. Hoje, existe mais oferta de sementes do que demanda e esperamos que isso seja revertido. Queremos inspirar pessoas dentro e fora do Brasil a investirem na técnica de muvuca, que já mostrou ser extremamente bem sucedida. Desejamos que a demanda por sementes seja perene, afinal, estamos na década da restauração”, conclui Bruna Ferreira. É tempo de reflorestar.

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Trajano Xavier

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