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O vilarejo da Chapada Diamantina que se uniu para salvar o tatu-bola-da-caatinga

O vilarejo da Chapada Diamantina que se uniu para salvar o tatu-bola-da-caatinga
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  • Uma nova iniciativa para estudar o tatu-bola-da-caatinga (Tolypeutes tricinctus) teve início na região da Chapada Diamantina, na Bahia, com o objetivo de estimar as tendências populacionais da espécie por meio do monitoramento de longo prazo e da ciência cidadã.

  • Endêmica das florestas semiáridas e secas do Nordeste do Brasil, a espécie foi dada como extinta, redescoberta e agora está ameaçada pela perda de habitat e a caça; sua escolha como mascote oficial da Copa do Mundo de futebol de 2014 foi uma tentativa de estimular sua proteção.
  • Graças ao esforço de conservação comunitária, pesquisadores estão começando a ver resultados encorajadores, que indicam a recuperação da população de tatus-bolas-da-caatinga na região – uma estratégia que pode ser útil para outras espécies.

Debaixo do escaldante sol da tarde, o biólogo Rodolfo Assis Magalhães e sua equipe vasculham silenciosamente os campos que margeiam a floresta. Seu objetivo, o carismático tatu-bola-da-caatinga (Tolypeutes tricinctus), não será fácil de alcançar. O truque é jogar uma camiseta sobre o animal antes que ele consiga escapar em meio a uma selva afiada de cactos, arbustos serrilhados e árvores cobertas de espinhos que tornam qualquer perseguição impossível.

A perseguição é parte de um novo projeto em curso no vilarejo de Sumidouro, no interior da Bahia, que tem como objetivo compreender as tendências da população da espécie, utilizando monitoramento de longo prazo, e promover a conservação por meio da ciência cidadã. Apesar do passado complicado com a espécie, a comunidade passou a abraçar a proteção do tatu, oferecendo apoio vital ao projeto.

O também chamado tatu-bola-do-nordeste é uma espécie nativa da Caatinga, mas pode ser encontrado em algumas áreas contíguas de Cerrado. Sua alimentação é à base de cupins e formigas, e para obtê-los usa de seu excelente olfato e suas enormes garras para vasculhar o território.

Seu nome se deve ao costume de se enrolar até formar uma bola quando se sente ameaçado – uma forma de defesa que confunde e desencoraja predadores menores. Sua carapaça, porém, não oferece proteção contra seu predador natural, a onça-pintada, ou contra os seres humanos. Por conta disso, foi escolhido para ser o mascote oficial da Copa do Mundo da Fifa de 2014, o Fuleco, simbolizando o compromisso do Brasil com a preservação de sua rica biodiversidade.

Rodolfo Assis Magalhães segurando um tatu-bola-da-caatinga. Os indivíduos podem ser identificados pelos padrões das escamas de seus “escudos de cabeça”. Foto: Marcos Peso/divulgação

Listado como vulnerável pela União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN), o tatu-bola-da-caatinga é ameaçado por diversos fatores. A degradação da terra na Caatinga, causada pela criação de gado, a agricultura itinerante, o cultivo de algodão e a extração de madeira e carvão. Todos esse fatores, combinados, reduziram o habitat do tatu a cerca de metade de sua cobertura florestal original. Hoje, menos de 9% do bioma é formalmente protegido por Unidades de Conservação, e apenas 1,8% recebe proteção legal total.

Mas a grande ameaça ao tatu-bola-da-caatinga é a caça excessiva. Ironicamente, o mecanismo de defesa de se enrolar em uma bola quando ameaçado torna o tatu alvo fácil dos caçadores, que o capturam e vendem no mercado ilegal. Embora a tenha sido sempre parte da vida rural nessa região semiárida e seja frequentemente praticada de forma sustentável, um complexo conjunto de fatores socioeconômicos, incluindo o crescimento das populações humanas, a pobreza endêmica e a insegurança alimentar, contribuíram para dizimar a vida selvagem da Caatinga, com o tatu-bola-da-caatinga entre as espécies mais fortemente atingidas.

Na segunda metade do século 20, muitos na comunidade científica acreditaram que o tatu-bola-da-caatinga já havia sido caçado até a extinção. Contudo, sua redescoberta inesperada no fim da década de 1980 provou que a espécie pôde persistir em pequenas populações. Mas falhas na conservação da espécie nos últimos anos não permitiram que ela prosperasse no habitat. Pelo contrário: o tatu-bola-da-caatinga perdeu cerca de 50% de sua população nos últimos 30 anos.

Mas uma comunidade parece disposta a oferecer um futuro melhor ao futuro do tatu nordestino.

Um vilarejo unido em prol do tatu

Localizada na Chapada Diamantina, na Bahia, o vilarejo de Sumidouro é o lar de pouco mais de 200 pessoas. Apesar de seu tamanho, é o primeiro lugar do país a utilizar a ciência cidadã e a conservação comunitária para proteger o tatu-bola-da-caatinga.

“Primeiro, iniciamos um programa de monitoramento do tatu no vilarejo como parte de um levantamento geral de biodiversidade para o licenciamento ambiental de um parque eólico”, diz Magalhães, pesquisador-chefe do projeto, que tem apoio do programa Edge (Espécies Evolutivamente Distintas e Globalmente Ameaçadas, na sigla em inglês, da Sociedade Zoológica de Londres. “Mas, então, percebi que era uma oportunidade fantástica de fazer algo mais por essa espécie carismática.”

A comunidade tem desempenhado um papel crucial na coleta de dados valiosos sobre o tatu em Sumidouro desde o início do projeto. Assistentes de campo locais monitoram o animal em terras agrícolas e trechos de floresta enquanto moradores do vilarejo relatam avistamentos de tatus para a base de dados do projeto, fornecendo fotos e coordenadas de GPS. Combinar esses dados a uma técnica estatística conhecida como “modelo de ocupação” permite que os pesquisadores criem um retrato abrangente da ocorrência e dos movimentos do tatu.

“Na verdade, sabe-se relativamente pouco sobre como essa espécie utiliza o habitat em paisagens modificadas pelo ser humano, mas, ainda assim, esse tipo de dado é essencial para a conservação efetiva da espécie”, diz Flavio Rodrigues, professor da Universidade Federal de Minas Gerais e supervisor do projeto.

A consciência ambiental profundamente enraizada da comunidade ajudou a impulsionar o projeto. “Temos uma situação muito favorável à conservação”, diz Magalhães. “Sinceramente, não sei se poderíamos fazer metade do que fizemos sem essas condições. Tivemos a sorte de contar com a cooperação dos parques eólicos e seus funcionários, da associação de produtores rurais e dos próprios cidadãos.”

Magalhães e assistentes de campo do projeto preparam armadilha fotográfica para captar dados sobre avistamentos e movimentos de tatus. Foto: Marcos Peso/divulgação

Santuário por acaso

O vilarejo de Sumidouro nem sempre foi um local seguro para o tatu-bola-da-caatinga. Até recentemente, o animal às vezes estava no cardápio da população, caçada pelos moradores por causa de sua carne. “Quando a caça ainda era praticada na área, esse animal estava muito ameaçado”, diz Cosme da Rocha, assistente de campo do projeto.

Em 2009, uma desenvolvedora de energia renovável chegou aos arredores do vilarejo e construiu três parques eólicos, alterando radicalmente a infraestrutura local. Apesar de o impacto dos parques eólicos sobre a biodiversidade e as comunidades tradicionais no Brasil continuar a ser um tema controverso, no caso de Sumidouro houve benefícios para a biodiversidade – embora indiretamente, de acordo com Magalhães. Novas oportunidades de trabalho melhoraram o padrão de vida dos moradores, reduzindo a dependência da agricultura itinerante na Caatinga e freando a perda de habitat. Juntamente com os parques eólicos, veio também mais policiamento – isso desencorajou a caça ilegal, resultando em maior proteção aos tatus.

Magalhães e sua equipe calibram uma armadilha fotográfica para obter imagens do tatu-bola-da-caatinga. Foto: Yushin Chen/divulgação

Em meados da década de 2010, pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais chegaram ao vilarejo para realizar levantamentos gerais de biodiversidade e promover a conservação da biodiversidade local por meio de palestras, oficinas e conversas informais com os moradores. Ao alavancar a relevância cultural do tatu-bola-da-caatinga como mascote da Copa do Mundo da Fifa, o programa educacional teve como foco a conscientização a respeito do que está ameaçando a espécie e a importância de sua conservação. Uma equipe de assistentes de campo locais, que já estavam familiarizados com a espécie e seus hábitos, foi contratada para monitorar a população de tatus nos arredores do vilarejo, de forma a coletar dados.

“Algumas das mais antigas pinturas rupestres das Américas podem ser encontradas no Nordeste do Brasil, e muitas retratam tatus, portanto, a associação entre seres humanos e tatus claramente remonta à antiguidade”, diz Mariella Superina, presidente do Grupo de Especialistas em Tamanduás, Preguiças e Tatus da IUCN. “Por meio do reconhecimento e da celebração da importância cultural dos tatus, nós fomentamos a proteção e o envolvimento comunitários nos esforços de conservação da espécie, e a conservação só poderá ser bem-sucedida se as comunidades locais estiverem envolvidas e participarem ativamente, portanto, eu bato palmas para a iniciativa em Sumidouro.”

O tatu se tornou um símbolo do orgulho local em Sumidouro. “Nós realmente não tínhamos muita compreensão sobre o tatu e sua importância antes, mas agora temos consciência sobre preservar a fauna e a flora da área”, diz Claudimiro Souza, presidente da associação de produtores rurais locais. “Ganhamos muito mais preservando esse animal do que matando. Por isso, abraçamos a causa e esperamos que ela trará visibilidade para nossa comunidade”.

O tatu-bola-da-caatinga deve seu nome à sua postura defensiva quando se sente ameaçado. Foto; Rodolfo Assis Magalhães/divulgação

Resultados promissores 

Mais de uma década após a mudança econômica em Sumidouro, a redução na pressão exercida pela caça deu ao tatu a trégua tão necessária. Os pesquisadores estão começando a ver sinais que sugerem que a espécie está no caminho de recuperação. “Hoje está ficando muito mais fácil de achar [tatus]”, diz Rocha. “A redução da caça está dando resultado. Vimos os tatus se multiplicarem com o passar do tempo.”

De acordo com as constatações do projeto, o tatu de fato parece disseminado em Sumidouro. “O que nossa pesquisa demonstra é o potencial que essa espécie tem não só para sobreviver em ambientes modificados pelo ser humano, mas também para se tornar comum, desde que a caça e a perda de habitat sejam enfrentadas por meio da inclusão das comunidades locais na conservação”, diz Magalhães.

A abordagem da conservação focada na comunidade em Sumidouro no futuro pode se tornar um modelo para a proteção do tatu-bola-da-caatinga e outras espécies ameaçadas da Caatinga, como o veado-catingueiro (Mazama gouazoubira), o mocó (Kerodon rupestris) e o gato-do-mato-pequeno (Leopardus tigrinus). “Nas condições corretas, acreditamos que esse tipo de projeto possa ser reproduzido em outras áreas”, diz Rodrigues. “Agora, precisamos encontrar outras Sumidouros.”

Citações:

Magalhães, R.A., Massara, R.L., de Oliveira, F.S. et al. “O tatu-bola-da-caatinga está amplamente distribuído em uma paisagem modificada pelo ser humano no Nordeste do Brasil”. Mamm Res (2022) DOI:https://link.springer.com/article/10.1007/s13364-022-00651-5#citeas

Imagem do banner: Tatu-bola-da-caatinga. Foto: Liana Sena/divulgação.

Fonte: Mongabay
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Trajano Xavier

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